Transforma Música

[Entrevista] Letrux

Com exclusividade, ela conversa sobre o processo criativo do disco "Letrux como Mulher Girafa" e os desafios dos artistas independentes no Brasil
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Texto por Ali Prando
Fotos de Julia Rodrigues

Letrux surge mais uma vez como uma força imparável no cenário musical brasileiro com seu terceiro álbum, Letrux como Mulher Girafa. A cantora e compositora carioca, acompanhada por sua banda e do produtor João Brasil, presenteia seus ouvintes com uma obra que transcende expectativas e fronteiras sonoras – fechando uma trilogia junto dos discos Letrux em Noites de Climão e Letrux aos Prantos.

Em uma imersão profunda, o novo trabalho revela camadas e nuances que fazem jus à sua alcunha de “mulher girafa”, expandindo-se para alturas inexploradas em sua carreira, trazendo referências à artistas como Rita Lee e George Orwell. Nesta entrevista exclusiva, fala sobre a criação do disco, questões de representação e os desafios enfrentados por artistas independentes em um mercado cada vez mais dinâmico.

Para ler ouvindo:

[Transforma Música] Você acaba de lançar esse projeto produzido em parceria com João Brasil e cheio de alusões à animais. Como foi o processo criativo desse álbum em particular? E de que maneira você acredita que João Brasil tenha colaborado nos novos timbres, melodias e ritmos que você explora?

[Letrux] Eu e João somos amigos desde 2005, temos muita intimidade musical, já brincamos de ter banda, já piramos muito. João é muito solar, trouxe alegria para o processo e ele também é DJ, além de músico, então ele tem uma noção da atmosfera, de fora, que DJs têm, isso foi bem preciso pra criação do disco, sinto.

[Transforma Música] Desde o início da sua trajetória como Letrux, você explora uma videografia bastante pulsante e variada, colaborando com vários diretores. Qual a importância dos videoclipes para você em seu próprio trabalho? E quais são os videoclipes que te marcaram durante a adolescência e infância?

[Letrux] Ah, eu era bem viciada nos clipes da Alanis, aquela estética bem anos 90, ideias simples mas astrais. Também curtia os clipes do Aerosmith, adorava as histórinhas. Me divirto fazendo clipe, sou atriz por formação, gosto de um clima astral na gravação, isso importa muito pra mim. Os clipes ajudam a criar um imaginário em cima da canção mas ninguém precisa se ater a eles não, podem sonhar à vontade. Mas é gostoso ter um registro audiovisual.

[Transforma Música] As plataformas de streaming, assumiram os papéis das gravadoras, e alteraram de maneira drástica o modus operandi dos artistas – os lançamentos geralmente são feitos em formato de single, e as obras são “qualificadas” pelo número de ouvintes e likes. No entanto, em seu trabalho, você opta por lançar os discos por completo. De que maneira as plataformas afetam seu processo criativo? Enquanto artista independente, quais são os maiores desafios de sua carreira nesse momento no sentido de circulação da música?

[Letrux] Minha cabeça funciona mais como escritora do que cantora. Quero contar uma história, quero dividir uma dramaturgia, que por acaso são canções, então prefiro soltar o “livro” todo do que um capítulo, sabe? São MUITOS desafios sendo artista independente, a falta de dinheiro é sempre a pior coisa. Porque infelizmente dinheiro muda muita coisa, sim. Você contrata mais gente pra colaborar, você faz mais clipes, grava mais coisas, patrocina posts pra sua música catapultar mais. Não é fácil, mas não penso em fazer outra coisa. Sina, destino, desejo. É minha vida.

[Transforma Música] Existe uma tendência muito grande de artistas se tornando influenciadores digitais, e influenciadores se tornando artistas para promover o que eles tem chamado de “marca”. Essas linhas no contemporâneo andam cada vez mais borradas, e as marcas, por consequência, acabam exigindo dos artistas um trabalho asséptico, apolítico e “family friendly”. Enquanto artista independente, como é o diálogo que você tem atualmente com as marcas que se relacionam contigo?

[Letrux] Não tenho nenhum vínculo com nenhuma marca. Fiz três publiposts, creio. Um de cerveja, que amo e tomo, um de vibradores, que também amo e uso, outro foi de vinho, que também adoro. Algumas marcas colaboraram na trajetória, com looks, por exemplo. Mas marcas graaandes, sinto que têm um medinho de mim, hahaha! Não entendo muito bem, mas é o que sinto. Felizmente eu mesma consigo vender muito merchan e paguei todo esse disco com a venda do meu merchan, isso foi uma realização muito forte pra mim. Não foi edital, não foi crowdfunding, foram as pessoas comprando meus produtos. Glória!

[Transforma Música] Quais são os conselhos que a Mulher Girafa daria para outros animais que estão desbravando agora a selva do “mercado” da música brasileira agora?

[Letrux] Instinto afiado, intuição afiada. Vão te dizer mil coisas, mas siga sua loucura, sua ideia e vai sentindo. E não se preocupe se quiser mudar o rumo, em algum momento. Normalíssimo. Vai sentindo.

[Transforma Música] Você tem bastante influências de artistas lésbicas brasileiras como Marina Lima e Maria Bethânia. De que maneira acredita que a sua sexualidade influencia sua obra? Que outros ícones queer estão em sua playlist?

[Letrux] Acho que o erotismo sempre vai estar presente de artistas, seja em forma de sedução ou graça da palhaça. Me uso dos 2, creio. Amo David Bowie, sempre bi assumido e genial. Elton John, George Michael, além das que você citou.

[Transforma Música] O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você que elas ainda não sabem?

[Letrux] Acho que sabem muito e até inventam, hahaha, o que é engraçado. Sinto que faz parte de ser artista. Mas se for pra falar algo: sou muito mal humorada com fome (fico insuportável), mas muito bem humorada com sono, fico hilária até, não sei explicar.

Ali Prando é filósofo e multiartista. Foi considerado pelo Fórum Cidadão Global como um dos 10 principais líderes brasileiros comprometidos na luta pela igualdade e justiça social em 2020. Pesquisador com as temáticas de corpo e tecnologia, gênero e sexualidade, já apresentou suas perspectivas teóricas nos principais polos culturais do país, entre universidades e instituições culturais, interseccionando aspectos da cultura pop com teorias criadas por autores como Paul B. Preciado, Achille Mbembe e Judith Butler. Enquanto artista, lançou recentemente seu primeiro álbum musical, “GLITCH”, onde narra a história de uma inteligência artificial que passa a se questionar depois de entrar em contato com humanos.