Entrevista por Gustavo Koch
Foto de capa por Marcela Lorenzetti
David Bowie, Michael Jackson, Britney Spears, Björk, Pet Shop Boys, Beyoncé, Shakira, Arlo Parks e Sofi Tukker. Poderia ser um festival dos sonhos, mas é só uma amostra da extensa lista de artistas com quem o divulgador musical Valter Fragoso já trabalhou. Há mais de 30 anos no mercado, Valtinho, como ficou conhecido, fez seu nome nos bastidores da comunicação de música do Brasil, passando por rádios, jornais e programas de televisão, onde ajudou a promover o trabalho desses e outros nomes. Viveu a crise das gravadoras com a pirataria de CDs no começo dos anos 2000, a transição para as plataformas de streaming e segue atuando nesse mercado mutante. Ele é o primeiro convidado de uma série de entrevistas com artistas e profissionais que transformam o mercado musical por meio dos seus trabalhos.
Em 1992, Valtinho se dividia entre a vida de bancário e como host da Subclub, uma casa noturna instalada no subsolo da extinta danceteria Columbia, nos Jardins, uma das mais populares da época. Lá, ele era o passe-livre de artistas e celebridades que queriam conhecer a disputada pista da Subclub, onde havia um baile black – uma novidade curiosa para a região. “A primeira vez que eu recebi um salário foi depois de uma festa de lançamento do Emergency on Planet Earth do Jamiroquai, em 1993”, relembra. Foi nesse período em que sua relação com a música se fortaleceu e seu nome ganhou projeção.
Durante o lançamento de “Scream”, a icônica colaboração de Michael e Janet Jackson, que Valtinho conheceu Reca Vieira, da Sony Music. “Eu cheguei pra ela e disse: se tiver uma vaga para trabalhar com vocês eu quero”, conta. A conversa acabou por ali e Valtinho tirou férias do seu emprego como bancário, mas com um movimento ousado. “Falei assim para o pessoal do banco: quando eu voltar das férias eu vou pedir as contas porque vou trabalhar na Sony”. Era mentira, não havia nada certo. “Quando eu voltei, minha mãe avisou que a Reca ligou e pediu para retornar. A gente não tinha telefone em casa, eu usei o da vizinha”. Ficou acertada uma reunião na quarta-feira seguinte. “Chegando lá, eu conversei com Ricardo Silveira, gerente de alto escalão. Ele disse que precisavam de alguém por três meses, apenas. Eu aceitei”.
Tempos depois, já fora da gravadora, outra ligação pedia para que ele acompanhasse o presidente da Sony em um show do Ricky Martin que aconteceria no Moinho Santo Antônio (hoje Moinho Eventos). “Como eu conheci as pessoas, eu liguei e consegui o acesso. O espaço era incrível, bastante luxuoso”. Dias depois, Valtinho foi chamado à gravadora novamente para resolver pendências daquela noite e, entre uma conversa e outra, acabou sendo contratado novamente. “Então eu volte. Lá eu fazia divulgação em casas noturnas. Reunia os DJs, entregava os CDs e articulava os lançamentos para tocar nas pistas”, conta.
Em um mundo pré internet, fazer uma música acontecer exigia criatividade. “Algo que ficou marcado foi o lançamento do primeiro single do Jota Quest, “Dores do Mundo”. Era domingo, nós tocamos a música no Moinho Santo Antônio e na sequência o clipe estreou na MTV e a faixa foi executada na rádio Jovem Pan. Depois, na reunião do marketing, a emoção era generalizada com a entrega que eu fiz. Era algo inédito para a época. Eu era só um menino para eles, sem qualquer grande experiência em gravadora”, diz Valtinho. Essa habilidade em fazer lançamentos com estratégias ousadas passou a ser característica do seu trabalho.
“Depois disso eu saí da divulgação de casas noturnas e fui para TV e rádio. Me tornei supervisor de imprensa na Virgin Music. Lá, nós pegamos o primeiro álbum da Britney Spears com 2 milhões de cópias lançadas no mundo e entregamos com vinte milhões a mais. Naquela época eu também trabalhei com artistas como ‘N Sync, Backstreet Boys, Manu Chao, Smash Pumpkins, George Michael, David Bowie… O que você imaginar de internacional eu fiz”, conta. Desse período, Valtinho também lembra de uma história curiosa que envolveu uma dos maiores produtores do mundo. “Me pediram para acompanhar um artista novo que veio ao Brasil, o Les Rythmes Digitales. Eu mal falava inglês na época, mas perguntei para ele qual era o seu sonho: trabalhar com os grandes, ele disse. Hoje esse cara é conhecido como Stuart Price”, conta entre risos. Price se tornou um renomado produtor musical e é reconhecido por trabalhos com Madonna, Pet Shop Boys, New Order, Dua Lipa e outros gigantes da indústria. “É muita história!”.
Uma das artistas que mais marcaram a trajetória de Valtinho foi Shakira. “Em 1997, quando ela veio ao Brasil pela primeira vez, eu fui designado para cuidar dela e da divulgação do Piés Descalzos. Ela se encantou por mim. Ela só saía do hotel quando eu chegava. Eu morava em Itaquera, imagine a distância até o Maksoud Plaza [onde ela ficava hospedada]. Todo dia eu ia e voltava”, conta Valtinho. “ E quando ela não queria cumprir alguma agenda, a gravadora me ligava e eu ia resolver”.
Um momento que ficou marcado foi quando, em entrevista a Jô Soares, ainda no SBT, Shakira chamou Valtinho ao palco para mostrar os passos de samba que ensinou para ela. A timidez do jovem vestindo calça jeans e camiseta de banda logo deu espaço para uma sequência desenvolta de passos acompanhados pela estrela e pelo apresentador. Contudo, nos bastidores, Valtinho estava preocupado com sua imagem profissional e pediu para que Shakira não fizesse mais aquilo. Sempre reservado em seu trabalho, ele temia algum tipo de represália profissional, mas o episódio acabou caindo nas graças do público.
A relação entre os dois seguiu por algum tempo, inclusive durante as gravações do especial MTV na Estrada com Shakira. Anos depois, com ela já consagrada mundialmente e de volta ao Brasil para uma turnê, o reencontro entre a artista e o divulgador aconteceu no Morumbi em 2011. “Preocupada, uma pessoa importante da gravadora pediu para que eu a acompanhasse com medo de que Shakira não atendesse às pessoas. Estávamos com dois quadros enormes celebrando 40 milhões de álbuns vendidos”. No meio da agitação do backstage, Shakira avistou Valtinho de longe e logo veio a seu encontro. “Ela disse: você está igualzinho, só a barba tá diferente!”, relembra ele emocionado.
A vida de Valtinho ao lado das estrelas não era totalmente compreendida por sua família, natural de Florianópolis (SC). “Um dia eu cheguei em casa e meu pai perguntou se a blusa que o Ricky Martin estava vestindo era minha”, ele ri. “Eles começaram a entender o que eu fazia quando alguns artistas começaram a ligar em casa. Tipo a Fafá de Belém. Uma vez ela me ligou e minha mãe chegou no quarto esbaforida para avisar, ainda tínhamos telefone fixo naquela epóca”. Fafá e Valtinho mantém uma relação de amizade até hoje. “Eles não entenderam quando eu fiz faculdade de publicidade e propaganda. Para eles eu tinha que ser médico, engenheiro… Mas eu sempre fui ligado à música”.
Sua primeira lembrança relacionada à música, ainda na infância, é de quando ganhou de seu avô uma vitrola. “Lembro que algumas das primeiras músicas que eu ouvi foram ‘Não Deixe o Samba Morrer’, da Alcione, e ‘Canto das Três Raças’, da Clara Nunes”. A canção de Clara também é a que mais emociona Valtinho, que vai às lágrimas sempre que escuta. “Eu chorei no filme de Chacrinha, eu chorei no Carnaval, eu choro quando eu vejo o clipe… Me traz uma emoção e uma imagem que eu não sei qual é”, declara.
Outro artista que o toca profundamente é Gonzaguinha, um dos seus maiores ídolos. “Eu contei pro Emílio Santiago a história de uma música que ele regravou em um disco em homenagem [ao Gonzaguinha]”. A faixa em questão, “Avassaladora” (interpretada pelo próprio Gonzaguinha na novela), era tema da personagem de Lúcia Veríssimo, amiga íntima do cantor, mas ele não fazia ideia de tudo que estava por trás da letra. Coisas que só um verdadeiro apaixonado por música é capaz de fazer.
“Eu vi muita gente. Eu tive a oportunidade de ir ao Rio com tudo pago pelos meus pais para ver o George Michael no Rock in Rio, mas acabei ficando para prestar o vestibular em respeito a eles. Saí correndo da prova e assisti pela TV”. Mas embora tenha assistindo shows de grandes ídolos como Madonna e Michael Jackson, Valtinho carrega consigo alguns arrependimentos. “Witney Houston e Amy Winehouse. Da Amy, eu já sabia que era a última e única oportunidade”.
Dentre as memórias mais especiais está o show de Mary J. Blige. “Nada paga o preço do mundo em ter visto é a artista que você mais ama na face da terra. Eu posso nunca mais ver ela na vida, mas eu vi! Muito perto, muito emocionado e cantando, as pessoas querendo falar em inglês comigo e eu [sinalizando que] ‘não’. Eu amo a Mary J. Blige! For me she is the greatest, the queen, the best, is Mary J. Blige”, decreta.
“Meu sonho era ter trabalhado com Cazuza, mas era muito distante e eu teria um problema muito sério com a minha família. Minha mãe odiava o Cazuza, eu colocava pra tocar e ela mandava tirar. Ela dizia: é a sua história e eu não quero ouvir”. A sexualidade explícita do artista – uma pessoa vivendo com HIV – era uma questão dentro da casa de Valtinho. “Nunca foi de se falar [sobre a minha sexualidade], nunca. Meu pai e minha mãe sabiam? Com certeza sim, mas nunca tocamos no assunto. Mas fora de casa, quando as portas se abriram, lá pelos 22 anos, eu não me escondi de ninguém”.
No trabalho, o fato de ser um homem gay nunca foi um problema, embora fosse necessário se preservar para evitar situações com artistas menos abertos ao assunto. Outros tempos. “Houveram alguns episódios [de homofobia]… Eu precisei me impor algumas vezes. Não existia essa palavra, homofobia, era uma questão de respeito mesmo e eu tinha que preservar o meu lugar profissional”. Hoje, aos 51 anos, Valtinho vive sua sexualidade plenamente e diz seguir aprendendo sobre as questões de gênero e sexualidade com seus amigos mais jovens.
Ao longo de sua trajetória, Valtinho viu de perto as crises e mudanças do mercado fonográfico. “Eu passei por tudo, né? Peguei o CD e a pirataria pesada, com discos a um, dois reais, enquanto o oficial era comercializado a trinta. As gravadoras não entenderam. E quando tentaram entender já era tarde. Quando entrou o Napster então, esquece… Elas não conseguiam acompanhar”. Olhando para o contexto atual, Valtinho enxerga uma lacuna nessa relação. “As gravadoras ‘esqueceram’ que as pessoas de 50, 60 anos não consomem streaming. Elas seguem no rádio.”
Por isso, ele defende o veículo como um meio de divulgação importantíssimo para os novos artistas. “A rádio pega o interior do interior. O artista vende show se tocar na rádio. O público dessas regiões muitas vezes não vê TV, não sabe quem é o número um do Spotify. A pessoa pode até saber que esse ou aquele artista sertanejo é grande, mas se não tocar na rádio não vai existir na realidade dela. E se não for a música mais pedida da rádio daquela cidadezinha, o prefeito não vai contratar, entende?”. “Eu cheguei a ser demitido em um momento em que isso não era entendido, em que os streamings eram a única prioridade”, conta. “Hoje eu trabalho com música independente. As minhas músicas independentes são tão grandes que as pessoas não fazem ideia. E eu as toco nas rádios. Elas acontecem”.
Há cinco anos ele trabalha na ForMusic, junto do empresário Nando Machado, onde estão construindo um novo capítulo para a música independente no Brasil, conectando marcas, empresas, artistas e bandas com seu público-alvo através de projetos inovadores.
Perguntado se hoje em dia está mais fácil divulgar música, Valtinho afirma que sim, mas com ressalvas. “A gente junta tudo, o YouTube, os streamings, e isso ajuda muito. O artista pode ter 10 milhões de ouvintes no Spotify, mas se ligar na rádio e eles não souberem quem é, não vai tocar. Porque esse artista não é mainstream. O trabalho precisa ser estratégico”.
Para os novos artistas independentes, Valtinho deixa uma dica. “A gente sabe que muitos não têm dinheiro para ir para a rádio. O mínimo que pode ser feito é investir em uma assessoria de imprensa para tentar emplacá-los, em sites, blogs, onde seja. Isso vai ajudá-los a vender o trabalho”. E não para por aí. “É preciso correr atrás, fazer shows, por menores que sejam. Tem que bater nas portas, invadir espaços”, finaliza.
Gustavo Koch é produtor cultural, comunicador, curador e gestor de projetos. É produtor executivo e um dos criadores do Transforma Música. Também é colaborador do portal escutai.com, onde escreve sobre música, shows e novidades do mercado. Em 2019, foi nomeado como Líder Local pelo World Creativity Day, iniciativa internacional apoiada pela ONU.