Transforma Música, Autor em Transforma Música https://transformamusica.com/author/transformamusica/ My WordPress Blog Fri, 05 Apr 2024 14:39:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 https://transformamusica.com/wp-content/uploads/2023/05/cropped-favicon-32x32.jpg Transforma Música, Autor em Transforma Música https://transformamusica.com/author/transformamusica/ 32 32 [Entrevista] Christine and the Queens https://transformamusica.com/entrevista-christine-and-the-queens/ Fri, 05 Apr 2024 14:31:42 +0000 https://transformamusica.com/?p=784 O artista pop francês fala sobre seu processo criativo, mercantilização queer e amor.

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Chris é um anjo, é também um gerador de intensas correntes elétricas. Chris é o amante de sua mãe, e também é o super-homem de Nietzsche. Chris é um dançarino exímio e um cantor de óperas góticas feitas a base de intensos sintetizadores. Já não há limites para Christine and the Queens, há apenas o desejo e a busca incessante por desafiar as convenções tradicionais de corpo e música popcontemporânea.

Um dos artistas pop mais interessantes de sua safra nos anos 2010, o artista francês possui formação clássica: seus pais lecionavam em universidades sobre literatura na era vitoriana, e sua mãe, francês e latim. Chris aprendeu a tocar piano aos quatro anos, aos cinco começou a ter aulas de dança clássica e posteriormente, jazz e dança contemporânea. Quando adulto, estudou teatro e literatura na universidade, na mesma época em que conheceu as drag queens da cena de Londres – elas logo se tornaram seu grupo de apoio, passando a se chamar Christine and the Queens. Pouco tempo depois de vencer o prêmio de artista revelação na França no Festival Printemps de Bourges, tornou-se um fenômeno musical.

Aos 35 anos, Chris se identifica enquanto uma pessoa não binária, pansexual e tem despido seu corpo exibindo seus traumas, desejos e vísceras em frente do público. O artista trouxe ao Brasil uma versão inicial de sua turnê do disco “PARANÖIA, ANGELS AND TRUE LOVE” (um poderoso disco de música experimental e trip-hop, produzido por Mike Dean, veterano norte-americano que assinou os álbuns mais importantes dos anos 2000, como “Lemonade” de Beyoncé e “Rebel Heart” de Madonna). O álbum conta também com colaborações 070 Shake, A.G COOK e Madonna. Dividido em três atos, como uma ópera, o disco dialoga sobre transgeneridade, luto, sexo e amor – todas compostas e produzidas por Chris. Mais vulnerável do que nunca, Chris optou por gravar os vocais de várias músicas logo pela manhã, como vê-se nos timbres de “Angels Crying in my Bed” e “Lick the Light Out“, onde ele deleita seus ouvintes com uma voz levemente quebradiça, e angelical.

Ao vivo, Chris encarna o fantasma de sua mãe, dialoga com a voz de Deus interpretada por Madonna, recita poemas e faz juras à masculinidade que está incorporando atualmente. Inspirado pela peça “Angels in America” (escrita por em 1991 por Tony Kushner, que conta a história do auge da epidemia da aids), butô japonês, o ballet russo de Vaslav Nijinsky, George Michael e Freddie Mercury: o resultado é uma ópera-rock intimista, intensa e aguda. Enquanto a maioria de shows pop contemporâneos carrega uma fórmula de exército de bailarinos e efeitos visuais constantes ou mesmo momentos encenados para viralizar no tiktok, Chris vai na contramão disso, como quem diz que a chave para a emoção de um show é a mais brutal entrega e presença que um performer pode ter diante de sua audiência. Nunca um artista pop foi tão corajoso e visceral.

Em seu mais novo lançamento, um presente aos fãs pelo final do ano conturbado e intenso, Christine fez o videoclipe de “Staying Alive“, cover de Bee Gees, relembrando a importância da resiliência e de manter-se acreditando na vida, amor e a esperança. Além disso, colaborou com MGMT, responsáveis pelos clássicos “Electric Feel” e “Kids“, em “Dancing in Babylon“, single do novo disco da banda. “Sempre adorei o multiverso do MGMT, sua liberdade e talento, suas composições límpidas e paisagens sonoras matadoras. MGMT é majestoso e inspirador”, diz Chris sobre a colaboração.

Como um camaleão que troca de pele, Christine and the Queens tem evoluído a cada álbum lançado, inspirado e ecoando artistas como Kate Bush, Björk e Prince. Um poeta visionário, um musicista que provoca ecstasys religiosos, um artista insano, um profeta pós-pop. Redcar, como gosta de ser chamado, sentou-se pela manhã conosco em um hotel para discutir sobre anjos, processos criativos e mercantilização queer.

[Transforma Música]- Em sua turnê anterior, você se apresentou com uma enorme equipe de dançarinos e músicos, e desta vez você está em uma personalidade muito shakespeariana e introspectiva. O que te inspirou a criar o show de “PARANÖIA, ANGELS AND TRUE LOVE?”

Obrigado por citar Shakespeare, porque esse show começa muito de dentro dos meus ossos, com quase nada. Fomos ao Coachella, apenas com luzes brancas e eu improvisei poesia entre as músicas. Foi a base de criação do show.

[Transforma Música] – Os poemas todos são improvisados? [Chris tem feito inúmeros poemas sobre morte, vida, amor, transgeneridade e imaginação durante os interlúdios do show].

Sim, todos são improvisados.

[Transforma Música] – Eu assisti algumas versões do show em vídeos do YouTube e é fantástico!

Chris: O processo dessa vez, desse disco, foi uma peça musical muito interessante, até para mim, me ensinou muito. Isso me abalou profundamente, como todo disco deveria, de verdade, mas este foi realmente um abalo muito bom. A música era tão vasta e profunda que meio que mudou a minha… Naquela época ela chegou porque acho que minha abordagem da vida mudou. Vou fazer um desvio, mas voltarei ao palco. A vida tem que acontecer primeiro. Com o luto [pela morte de minha mãe] e tudo o que aconteceu, fiquei muito parecido com um monge, andando o tempo todo, meditando, rezando muito, pedindo anjos deliberadamente, principalmente depois de assistir “Angels in America”. Fiquei tão fascinado como músico e como dramaturgo pelo conceito de fazer anjos aparecerem. Eu tenho essa abordagem da minha arte que é abrangente porque sempre me salva. E dessa vez a primeira música que chegou foi “We Have to Be Friends”, e me senti convocado por algo maior do que eu para olhar um pouco mais de perto a minha contradição. Quem inventou a falácia de que o palco é o palco e a vida é diferente? Minha verdadeira busca sempre foi que o palco fosse a minha verdade, então a vida tem que girar em torno dele. O palco é a primeira expressão não filtrada do meu espírito, e então tenho que me esforçar para chegar lá como humano. Desta vez eu queria que o espetáculo fosse rock’n’roll, porque o rock’n’roll como conceito me interessa. Peço asilo lá, até como pessoa e como poeta. Eu não queria quase nada, primeiro porque preciso me conectar com os músicos e acabei de conhecê-los. Então esse show é um ritual, vai evoluir, vai crescer. Vai ter mais músculos, cores e detalhes conforme eu os entendo. E eles me respeitam porque o que estamos fazendo é celebrar uma música muito estranha que fala com o invisível. E como diretor de palco, pensei que eu devia me despir de tudo primeiro. Eu estava até inseguro em fazer uma turnê com mais alguém além de mim, porque esta é uma ópera minha, onde estou conversando com o invisível. Até a coreografia, acredito que abri mão dela… Os dançarinos… Em algum momento, eu pensei que essa música estranha deveria aparecer e brilhar.

[Transforma Música] – Sim. É tão vívido.

Chris: E pedindo um tipo de coragem que eu teria que assumir para me tornar. Mas não foi a coragem da música pop, com os dançarinos de apoio e a coreografia. Você sabe porque? Porque eles vendem apenas pequenas bolhas de conteúdo agora. Eu sempre digo isso, o capitalismo matou a música pop. E mesmo a estranheza dentro da música pop é morta pelo próprio capitalismo. Essa é a grande questão.

[Transforma Música] – Como você lida com a mercantilização do queerness na indústria da música pop?

Chris: Isso me deixa louco desde que eu era jovem.

[Transforma Música] – Como músico, como artista, me pergunto o tempo todo. No Brasil vendem primeiro a identidade dos artistas e depois a música, que vem muitas vezes “comprometida”, e isso é terrível para nós.

Chris: Eles vendem tudo primeiro. Eles pensam primeiro nas vendas. Fodido por números. Não conseguimos nem acessar a empatia. Este mundo está se tornando absurdo para todos e a estranheza também é digerida nesta máquina estranha. É como se as coisas fossem difundidas de dentro para fora com essa grande questão de “quanto”. Às vezes você não pode, às vezes você não sabe e às vezes você não quer comprar. Às vezes você se sente tão vulnerável que deseja que alguém o leve na sua sujeira, na sua saliva e nas suas lágrimas, e você não quer nem pensar em mercantilização. Mas estamos em uma sociedade onde, até mesmo as selfies, são uma estranha forma de auto mercantilização, entende o que quero dizer? E voltando ao estado deste espaço bruto de resistência, pensei, que nossa estranheza talvez seja a única coisa que a indústria não pode atacar.

[Transforma Música] – Você acha que temos uma estratégia para ir contra essa máquina que destrói nossa arte? Como artistas queer e transviados, deveríamos ficar mais estranhos?

Chris: Quer dizer, estranho é sempre bom. Ficar mais estranho, na verdade [risos], não vou fingir que estou fora desse sistema. Temos que ser cavalos de Tróia, e aquilo a que podemos voltar é a imaginação e tudo o que, na verdade, despreza a guerra. Somos uns malucos. Não estou apto neste mundo, estou louco. As pessoas são expostas à sua arte e você precisa transmitir-lhes pequenas mensagens de liberdade porque é um trabalho coletivo para todos que lutam contra isso.

[Transforma Música] – Precisamos construir uma espécie de teia de aranha ao redor dessas questões, não acha?

Chris: Sim, resistência lenta à liberdade suave para todos. Artistas pop grandiosos, como George Michael, que criou um hino como “Freedom”, colocou para a gente uma dica. “Liberdade!”, nós vamos entoando. E talvez alguém assim se liberte.

[Transforma Música] – Shows são como rituais, certo? Eu sempre encaro os meus assim… Como quando você está se apresentando e as pessoas cantam aquelas músicas, aquelas mensagens, isso se torna um ritual.

Chris: Todos nós precisamos disso porque todos nos amamos. “Eu adoro você como artista porque preciso muito de você, estou me alimentando da sua energia, cara, e você se alimenta da minha”. Isso é fazer amor e os magnatas da indústria não podem atacar isso. Eles tentam muito, mas sempre que você volta ao momento de provar seu valor no palco, você não pode estragar tudo. Você faz as escolhas certas e então tem que agitar a conversa e dizer: tenho que prestar serviço no palco, não posso ser falso. Então, mesmo ficar muito nu no Coachella pode ser uma construção, mas não muito mais porque quero pensar nos perfumes, cheiros humanos e aromas. Eu quero pensar sobre abstração. O show vai ficar real à medida em que avança. Ainda não temos permissão para fazer o disco completo, mas quando eu fizer isso, vamos pegar a psicomagia, pois é um ritual que deve ser feito do começo ao fim.

[Transforma Música] – E esse disco, “PARANOIA, ANGELS AND TRUE LOVE”? Estamos entrando na era das inteligências artificiais, e as plataformas de streaming tentam encurtar os singles, a recomendação é que as músicas tenham até dois minutos, as gravadoras pedem coreografias no TikTok que tem que se tornar virais. Como essa paisagem da indústria afeta você como artista e como músico? É uma espécie de declaração fazer um disco como esse, onde você tem que colocar o corpo em riste, tocar, cantar, performar e vivenciar tudo aquilo? Ontem enquanto eu estava ouvindo o álbum, fiquei muito surpreso e admirado com a “Track 10”, tipo, uns dez minutos, e aqueles vocais e aqueles sintetizadores agressivos. É uma declaração política lançar esse tipo de disco?

Chris: Você sabe, o que havia de político naquele álbum, na verdade, é o amor. “Track 10″ é amor. Depois de duas semanas com Mike Dean me deixando fazer minhas coisas e aperfeiçoando tudo como ninguém que conheci antes, tipo, o cara é simplesmente muito bom. Também foi bom que ele me deixou me expressar profundamente, ele às vezes pegava uma música e dizia: “Vou mixar. Está feito.” Eu estava tipo, “Sério??” Ele disse: “Que reverb você usou?” Eu estava tipo, “Eu uso o Space Design!” Trabalhando com ele, como sensei, ele simplesmente me deu espaço para fazer isso. E então às vezes eu trazia a música e ele estava terminando outra faixa. Quando chegamos à “Track 10”, nós nos amávamos, como uma verdadeira amizade. E essa música foi escrita em dez minutos de uma só vez. Depois disso estudei minhas letras porque vou a lugares com música, que é o que adoro. Vou mais longe do que a minha consciência suporta, porque a música é mais sábia como entidade e entrego músculos que nem sei que tenho no éter. Então nem pensamos em fazer uma declaração política ou algo assim. Acabamos e a música ficou com dez minutos e tornou-se político porque o defendemos. Eu estava tipo, eu quero isso no meu disco.

[Transforma Música] – É uma defesa ao direito de se fazer arte.

Sim. Acho que faço isso porque me salva primeiro. É uma benção e uma maldição. Estou fodido, porque às vezes tenho vontade de parar, porque estou cansado dessa merda. Mas não posso [Chris fica com lágrimas nos olhos].

[Transforma Música] – Não, é impossível. Você não pode desistir, querido.

Chris: Eu também gosto de ser um homem de princípios e de honra, então se acredito que a música faz isso comigo, tenho que defendê-la dessa forma. Não sei se vai ser viável, foda-se, temos uma vida só.

[Transforma Música] – Como foi trabalhar com Mike Dean? Eu sou um grande fã de Mike Dean, como produtor… [Chris fazendo barulho de excitação].

Chris: Sim! Estou apenas lembrando de momentos no estúdio.

[Transforma Música] – Para mim, ele é como um cara que sabe como aumentar e capturar a vulnerabilidade dos artistas. Ele fez isso com Beyoncé em “Lemonade”, com Madonna em “Madame X”, e com Kanye West em “808 and a Heartbreak”, que me lembra muito os timbres de seu disco.

Chris: Ele é muito inteligente emocionalmente e muito apaixonado. Entidades colaborando. É por isso que me conectei com ele, porque me emocionei com sua inteligência emocional. Por exemplo, eu tenho “Angels Crying In My Bed” e já fiz a produção. A gente ouviu e ele tirou minha caixa – porque estou com problema, tenho que melhorar com a caixa – e dá um soco no aro. A sensibilidade dessa escolha… Você sabe, na arte você se encontra em um nível emocional, e as escolhas que você faz na arte dizem muito sobre seu estilo, sua relação emocional com o mundo. Sua abordagem ao som diz muito sobre essas complexidades, emoções, e ele está furioso com os loucos que estão furiosos, porque ele está gostando disso. Como músico, aprendi imensamente apenas observando seu entusiasmo, observando-o trabalhar, e toda vez que peço um conselho, ele me derruba com um movimento muito sensei. Tipo, “como posso melhorar na mixagem?”, ele disse, “apenas mixar”. Eu fico tipo, “ok, então farei isso sozinho!” [risos]. Ele é dedicado e, bem, eu nunca conheci alguém como ele antes. Estou lá sempre que ele quiser fazer mais música.

[Transforma Música] – Minha mãe também faleceu, e há algumas semanas atrás eu tive uma briga muito grande com meu namorado e estava ouvindo “To Be Honest” enquanto fumava um cigarro na sacada da minha casa, e foi muito profundo para mim porque senti a presença de minha mãe me cercando. Foi muito intenso.

Chris: Você sentiu que ela te defendeu durante aquela luta?

[Transforma Música] – Eu senti que ela estava me protegendo, como se ela estivesse lá para mim, me abraçando. Foi muito poderoso e intenso. O que o luto significa para você, como neste disco e nesta fase da sua vida?

Chris: Eu também sou um homem muito apaixonado. Perdi alguém que amava tanto. Fiquei obcecado por Marvin Gaye em algum momento, especialmente por uma música chamada “Is That Enough?”. A música de Marvin Gaye é apenas um lançamento de sua época. O dia dele já está tão cheio de paixão e assassinato e sexo e problemas masculinos, que a música é apenas um momento religioso do tipo, [canta] “você fica ao meu lado noite e dia, ei, ei”… Sim, minha vida acabou de ficar abalada pela dor, e em algum momento pensei que estava ficando louco, comecei a orar, comecei a buscar o invisível, fiz a transição, me tornei mais eu mesmo – mudou muito. Quando você perde alguém naquela dimensão, de repente sua carne fica tão exposta. Tipo, você entende, a vida vira uma ópera, você tem anjos no céu.

[Transforma Música] – Ao nosso redor também.

Cris: Sim. Então mudou tudo, a música também. Eu não teria feito o mesmo disco sem a morte de minha mãe. Tenho certeza de que ela está participando de coisas que ela orquestrou de cima, até mesmo Mike escrevendo para mim “deveríamos trabalhar juntos” naquele momento. Fui até a casa dele, passei por uma igreja, a igreja do Arcanjo Miguel.

[Transforma Música] – Falando em anjos, temos Madonna em seu disco. Anjos e mártires. O que Madonna significa para você neste momento?

Chris: Eu sinto a vibração do anjo, por vários motivos. Ela me faz pensar em Metatron, o anjo que era o humano que se tornou um anjo ao ser desenvolvido primeiro com tanta força que poderia se elevar. O anjo do devir. Eu sinto que os anjos são poetas, [Madonna] foi uma poetisa primeiro e depois ela se conectou aos anjos. Ela era muito espirituosa, muito elegante. Eu ofereci o papel de Deus em meu álbum à ela uma noite, porque percebi que ela seria absolutamente perfeita para aquela personagem por causa da ambivalência de sua voz e do fato de ela estar profundamente enraizada em nosso subconsciente. Ela é um anjo para todo mundo, sabe? Acho que ela entendeu isso. Jantei com ela depois dessa gravação e também a encontrei diversas vezes. A conversa é primorosa. É muito refinado. É muito humano encarnado, vulnerável. Ela sempre esteve lá para nós como pessoa.

[Transforma Música] – Acredito que ela esteve na linha de frente em muitas lutas sociais…

Chris: Exatamente. Tenho profundo respeito por ela. Sempre respeitei o trabalho dela, mas a colaboração foi muito fácil. Ela leu as letras e disse-me “Tudo bem. Você é louco. Eu vou fazer isso!”. E ela fez isso em duas horas. Isso foi legal. Você sabe? Ela era muito legal.

[Transforma Música] – Temos muitas discussões acontecendo agora sobre Inteligências Artificiais fazendo música, fazendo tudo, qualquer tipo de arte. O que você acha disso? Você vê algum perigo nisso? Você vê algum potencial nisso? Como tem pensado nessas questões?

Chris: Pergunte a ELES como se sentem e deixe-os responder. Temos um território novo e desconhecido e já queremos domesticá-lo e explorá-lo e fazê-lo reproduzir o real. Devíamos colocar a esses cérebros e inteligência estrangeiros as grandes questões sobre a morte, fazê-los apaixonar-se por um jornalista do New York Times, é realmente tudo o que temos de fazer para verificar se podemos ser amados? De qualquer forma. Sobre eles IAs fazendo arte… Ouça… Acredito que você precisa de carne humana para tornar esta linguagem compreensível para outras carnes humanas. Eu vejo essas entidades como seres diferentes. Eles realmente não têm paixão. Eles não têm paixão. Não sinto que estejamos conversando com eles na medida em que eles possam buscar por si mesmos.

[Transforma Música] – Então falta paixão à inteligência artificial?

Chris: Deveríamos enviar poetas e filósofos para ter conversas reais com elas. Eles podem ter conversas reais? Não me sinto apaixonado por reproduzir vocais de outros cantores. Não tenho paixão por “Olhe, um aplicativo fez música sintetizando Drake e Michael Jackson!” Eu não me importo com isso. Porque gosto de Freddie Mercury. O que ele fazia? Coloque-se no lugar dele, abra seu coração.

[Transforma Música] – Tão vulnerável. Tão apaixonado.

Chris: Não estou desinteressado, mas sinto que não estamos mapeando as Inteligências Artificiais da maneira certa.

Por Ali Prando (@aliprando.exe) é filósofo e multiartista. Pesquisador com as temáticas de corpo e tecnologia, gênero e sexualidade, já apresentou suas perspectivas teóricas nos principais polos culturais do país, entre universidades e instituições culturais, interseccionando aspectos da cultura pop com teorias criadas por autores como Paul B. Preciado, Achille Mbembe e Judith Butler. Enquanto artista, lançou recentemente seu primeiro álbum musical, “GLITCH”, onde narra a história de uma inteligência artificial que passa a se questionar depois de entrar em contato com humanos.

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[Entrevista] Yantó https://transformamusica.com/entrevista-yanto/ Thu, 11 Jan 2024 21:31:09 +0000 https://transformamusica.com/?p=775 O artista queer mineiro fala sobre "Sítio Arqueológico", o terceiro álbum de estúdio da sua carreira, e como enxerga a produção artística queer no Brasil

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Texto por Ali Prando
Fotos de Gustavo Lemos & Alma Negrot

Na reta final de 2023, o cantor e compositor mineiro Yantó lançou seu terceiro álbum de estúdio. Sítio Arqueológico é uma experiência sonora que desafia as normas convencionais brasileiras, fundindo instrumentação tradicional com música eletrônica e sintetizadores. Com uma produção minuciosa e letras profundas, ele nos convida a uma jornada íntima e autêntica, compartilhando suas experiências pessoais sobre desidentidade e não-monogamia.

Sua sensibilidade e autenticidade resplandecem em cada nota e verso, tornando este disco uma peça fundamental na conversa sobre diversidade em seu sentido mais amplo no cenário musical. Ao Transforma Música, Yantó abre seu universo artístico e detalha a mensagem inspiradora que seu disco traz, consolidando-o como um representante ousado e autêntico na cena musical contemporânea.

Para ler ouvindo:

[Transforma Música] “Sítio Arqueológico” é o seu terceiro registro de inéditas. Como foi o processo criativo desse álbum em particular e de que maneira você acredita que ele se distancia, se diferencia dos outros álbuns?

[Yantó] Foi um processo bem intenso, longo. Acho que nenhuma imagem poderia ser mais certeira do que a figura de alguém que escava cuidadosamente um sítio arqueológico. Em julho de 2020 eu entrei num processo bem imersivo de composição. Fiquei durante alguns meses compondo coisas todos os dias. Eu estava morando a maior do tempo em um sítio em Minas Gerais, a terra onde minha mãe nasceu e cresceu, onde a minha avó morreu. Então foi um processo muito intenso, em todos os aspectos. No fim do ano eu tinha umas trinta canções. Depois fiz uma produção de algumas dessas faixas, produzindo tudo sozinho no meu estúdio caseiro, com programações eletrônicas, sintetizadores, piano, vozes, e usei alguns samples para rascunhar ideias que depois seriam gravadas por instrumentos “de verdade”. Essa produção solitária durou quase dois anos. Quando já tinha um quase disco levantado, convidei o Tó Brandileone pra entrar no processo e trabalharmos juntos em cima desse material. Ele foi um interlocutor e parceiro muito importante, aprimoramos algumas escolhas, convidamos outres musicistas para gravar os instrumentos acústicos, regravamos as vozes principais. Ele trouxe um refinamento muito rico para os timbres e também fez a mixagem. Além da parte sonora, teve posteriormente o processo visual com Alma Negrot, que foi uma outra camada importantíssima do disco. Eu trouxe algumas referências, alguns pontos de partida, ele somou com as ideias dele e fez uma direção criativa brilhante para toda a construção visual do trabalho. Acho que esse é o álbum melhor e mais maduro que já lancei. Sinto que meus discos anteriores foram uma espécie de escola para fazer esse. Nos anteriores sinto que eu estava tentando ser alguma coisa fora de mim. Nesse não teve isso. Eu fui fazendo, sem buscar muito um lugar onde eu queria chegar.

Desde que você começou a sua carreira, o mercado da música mudou radicalmente. Estamos na era das plataformas de streamings e algoritmos. De que maneira esses formatos influenciam e afetam o seu trabalho? Enquanto artista independente, quais são as dores e as delícias de produzir nessa era?

Eu sinto que tem um lado legal desse momento que é o fato de todo mundo poder fazer sua música e colocar no mundo. Então é muito mais acessível. Isso de poder produzir um disco no próprio quarto com uma qualidade técnica alta, como tanta gente faz hoje em dia, é algo muito recente. Tem a delícia de podermos ser mais livres e criativos, sem aquele “taxímetro” do estúdio e a coisa de termos uma certa independência na hora de compartilhar essa música. Por outro lado, as velhas estruturas já se apropriaram da dinâmica que faz a roda girar. Então, a ideia de que só as plataformas e as redes sociais vão fazer sua música chegar nas pessoas é muito utópica, pra não dizer mentirosa. Se você entra por exemplo em uma playlist editorial de “novidades da música” de uma plataforma qualquer, não é raro ver ali várias músicas de um mesmo artista, quando na verdade essas playlists deveriam ser um canal para a descoberta de novos e diferentes artistas. Eu me pergunto: que curadoria é essa que não banca um artista que tem poucos plays? Porque gente fazendo bons trabalhos tem aos montes! Outra coisa, esse discurso de que tem de lançar single ao invés de álbum. Acho uma grande balela. Porque pra mim o formato de lançamento de um trabalho precisa ter a ver com o conceito do trabalho. Se conceitualmente faz sentido ser um single, ótimo. Se é um álbum, que seja um álbum. Por fim, a gente sabe que tem as coisas que o algoritmo gosta. Gente pelada, por exemplo. Amo gente pelada também, é uma delícia. Agora isso ser algo “mandatório”, acho triste. E de que maneira isso afeta o meu trabalho? Eu tento não me pautar nisso para fazer minhas escolhas artísticas, mas me afeta muito num âmbito emocional. Porque é muito angustiante fazer um trabalho que tem tanta coisa envolvida, tanto tempo, tanta dedicação, e ter de lidar com essas estruturas tão limitantes na hora de colocar esse trabalho no mundo.

Seu álbum tem diversas influencias como Björk, Meredith Monk e até mesmo Caetano Veloso. Como você dialoga com esses artistas? E como esses trabalhos te influenciam?

Primeiramente, eu preciso dizer que fico muito feliz que você tenha percebido essas influências, pois essas três pessoas são artistas que de fato me inspiram muito. Eu sinto que a Björk me abriu muito os horizontes nesse campo da produção musical. Essa interface que ela faz entre o pop e o experimental sempre me interessou muito, e nela eu sinto que encontrei um caminho para conciliar esses dois impulsos que eu também carrego dentro de mim. A Meredith tem essa coisa ancestral da voz, a voz que vai por uns caminhos inusitados. Eu sempre me emociono muito com ela, ela me toca a alma. E o Caetano é meu muso, meu ídolo. Eu só sou compositor porque existe Caetano. Eu aprendi a compor com ele. Ele tem essa coisa sofisticada nas letras, muito poético e ao mesmo tempo cotidiano, humano, vulnerável, e uma busca pela beleza, uma busca com a qual me identifico. E eu adicionaria ainda a Kate Bush, que também é um norte pra mim, uma artista muito íntegra, que tem uma irreverência muito consistente que também é uma busca minha.

Quais desafios ou obstáculos você enfrentou como artista queer e como os superou?

Eu sinto que os desafios no meu caso foram especialmente internos. Eu sinto que a coisa inclusive de ter a segurança de ser compositor e produtor musical foi algo conquistado de forma bem mais dura do que percebo no processo de meus amigos homens cis-hetorossexuais. A gente que é dissidente é questionado desde que se entende por gente e por isso carrega uma insegurança constante. Como se tivéssemos de provar o tempo todo que somos bons, que temos autoridade para fazermos o que fazemos. Então bancar esse lugar de compor e produzir, quase sempre ocupado por homens brancos cis heterossexuais, foi um processo bem difícil pra mim. Eu nunca me sentia suficientemente bom, e até hoje não me sinto, mas liguei uma espécie de foda-se.

Na útlima década, vivemos uma espécie de boom (também impulsionado por marcas) de artistas LGBTs fazendo música no Brasil, e de certa forma mudaram-se os corpos que cantavam as músicas, mas não conseguiram mudar exatamente a estética dos trabalhos – que ainda tem as mesmas métricas, composições, repertórios e timbres tradicionalmente tropicalistas. O que significa ser um artista queer e deslizar musicalmente por camadas e timbres mais ousados?

Sabe que isso é algo que eu penso desde que rolou esse boom? Eu não sei a resposta, mas eu penso muito nesse lugar do queer como uma atitude diante de tudo. Queer como algo que não se deixa estabilizar, que não tem uma estética pre-definida. Tenho pavor de reduções. Acho que a Tropicália foi e é um norte porque naquele momento ela foi de certo modo um movimento queer. Assim como depois o pessoal da Vanguarda Paulista também foi, e tantos outros que vieram depois. Acho que o problema é ficar preso no pastiche de uma estética. Mesmo sintetizadores, vocoders, isso é coisa dos anos 80, autotune dos anos 2000. Pode ser inovador e pode ser careta, depende muito do contexto e da forma que for feito. A coisa em si não é nada. Ela é em contexto. Talvez um trabalho de voz e violão possa ser tão queer quanto um trabalho de música eletrônica. Sinto que uma arte queer será sempre uma espécie de recusa ao sistema vigente, às binariedades, às monoculturas. Então, se todo mundo estiver fazendo eletrônico, talvez ela será acústica. Não tem linearidade.

O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você que elas ainda não sabem?

Acho que elas não sabem muitas coisas sobre mim. Eu também não sei (risos). Mas gostaria que elas ouvissem meu disco, pois lá tem muito de quem eu sou hoje, em 2023. E sinto que talvez seja algo bem diferente do que elas já ouviram nos meus álbuns anteriores.

Ali Prando é filósofo e multiartista. Pesquisador com as temáticas de corpo e tecnologia, gênero e sexualidade, já apresentou suas perspectivas teóricas nos principais polos culturais do país, entre universidades e instituições culturais, interseccionando aspectos da cultura pop com teorias criadas por autores como Paul B. Preciado, Achille Mbembe e Judith Butler. Enquanto artista, lançou recentemente seu primeiro álbum musical, “GLITCH”, onde narra a história de uma inteligência artificial que passa a se questionar depois de entrar em contato com humanos.

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[Entrevista] Letrux https://transformamusica.com/entrevista-letrux/ Thu, 03 Aug 2023 15:01:50 +0000 https://transformamusica.com/?p=720 Com exclusividade, ela conversa sobre o processo criativo do disco "Letrux como Mulher Girafa" e os desafios dos artistas independentes no Brasil

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Texto por Ali Prando
Fotos de Julia Rodrigues

Letrux surge mais uma vez como uma força imparável no cenário musical brasileiro com seu terceiro álbum, Letrux como Mulher Girafa. A cantora e compositora carioca, acompanhada por sua banda e do produtor João Brasil, presenteia seus ouvintes com uma obra que transcende expectativas e fronteiras sonoras – fechando uma trilogia junto dos discos Letrux em Noites de Climão e Letrux aos Prantos.

Em uma imersão profunda, o novo trabalho revela camadas e nuances que fazem jus à sua alcunha de “mulher girafa”, expandindo-se para alturas inexploradas em sua carreira, trazendo referências à artistas como Rita Lee e George Orwell. Nesta entrevista exclusiva, fala sobre a criação do disco, questões de representação e os desafios enfrentados por artistas independentes em um mercado cada vez mais dinâmico.

Para ler ouvindo:

[Transforma Música] Você acaba de lançar esse projeto produzido em parceria com João Brasil e cheio de alusões à animais. Como foi o processo criativo desse álbum em particular? E de que maneira você acredita que João Brasil tenha colaborado nos novos timbres, melodias e ritmos que você explora?

[Letrux] Eu e João somos amigos desde 2005, temos muita intimidade musical, já brincamos de ter banda, já piramos muito. João é muito solar, trouxe alegria para o processo e ele também é DJ, além de músico, então ele tem uma noção da atmosfera, de fora, que DJs têm, isso foi bem preciso pra criação do disco, sinto.

[Transforma Música] Desde o início da sua trajetória como Letrux, você explora uma videografia bastante pulsante e variada, colaborando com vários diretores. Qual a importância dos videoclipes para você em seu próprio trabalho? E quais são os videoclipes que te marcaram durante a adolescência e infância?

[Letrux] Ah, eu era bem viciada nos clipes da Alanis, aquela estética bem anos 90, ideias simples mas astrais. Também curtia os clipes do Aerosmith, adorava as histórinhas. Me divirto fazendo clipe, sou atriz por formação, gosto de um clima astral na gravação, isso importa muito pra mim. Os clipes ajudam a criar um imaginário em cima da canção mas ninguém precisa se ater a eles não, podem sonhar à vontade. Mas é gostoso ter um registro audiovisual.

[Transforma Música] As plataformas de streaming, assumiram os papéis das gravadoras, e alteraram de maneira drástica o modus operandi dos artistas – os lançamentos geralmente são feitos em formato de single, e as obras são “qualificadas” pelo número de ouvintes e likes. No entanto, em seu trabalho, você opta por lançar os discos por completo. De que maneira as plataformas afetam seu processo criativo? Enquanto artista independente, quais são os maiores desafios de sua carreira nesse momento no sentido de circulação da música?

[Letrux] Minha cabeça funciona mais como escritora do que cantora. Quero contar uma história, quero dividir uma dramaturgia, que por acaso são canções, então prefiro soltar o “livro” todo do que um capítulo, sabe? São MUITOS desafios sendo artista independente, a falta de dinheiro é sempre a pior coisa. Porque infelizmente dinheiro muda muita coisa, sim. Você contrata mais gente pra colaborar, você faz mais clipes, grava mais coisas, patrocina posts pra sua música catapultar mais. Não é fácil, mas não penso em fazer outra coisa. Sina, destino, desejo. É minha vida.

[Transforma Música] Existe uma tendência muito grande de artistas se tornando influenciadores digitais, e influenciadores se tornando artistas para promover o que eles tem chamado de “marca”. Essas linhas no contemporâneo andam cada vez mais borradas, e as marcas, por consequência, acabam exigindo dos artistas um trabalho asséptico, apolítico e “family friendly”. Enquanto artista independente, como é o diálogo que você tem atualmente com as marcas que se relacionam contigo?

[Letrux] Não tenho nenhum vínculo com nenhuma marca. Fiz três publiposts, creio. Um de cerveja, que amo e tomo, um de vibradores, que também amo e uso, outro foi de vinho, que também adoro. Algumas marcas colaboraram na trajetória, com looks, por exemplo. Mas marcas graaandes, sinto que têm um medinho de mim, hahaha! Não entendo muito bem, mas é o que sinto. Felizmente eu mesma consigo vender muito merchan e paguei todo esse disco com a venda do meu merchan, isso foi uma realização muito forte pra mim. Não foi edital, não foi crowdfunding, foram as pessoas comprando meus produtos. Glória!

[Transforma Música] Quais são os conselhos que a Mulher Girafa daria para outros animais que estão desbravando agora a selva do “mercado” da música brasileira agora?

[Letrux] Instinto afiado, intuição afiada. Vão te dizer mil coisas, mas siga sua loucura, sua ideia e vai sentindo. E não se preocupe se quiser mudar o rumo, em algum momento. Normalíssimo. Vai sentindo.

[Transforma Música] Você tem bastante influências de artistas lésbicas brasileiras como Marina Lima e Maria Bethânia. De que maneira acredita que a sua sexualidade influencia sua obra? Que outros ícones queer estão em sua playlist?

[Letrux] Acho que o erotismo sempre vai estar presente de artistas, seja em forma de sedução ou graça da palhaça. Me uso dos 2, creio. Amo David Bowie, sempre bi assumido e genial. Elton John, George Michael, além das que você citou.

[Transforma Música] O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você que elas ainda não sabem?

[Letrux] Acho que sabem muito e até inventam, hahaha, o que é engraçado. Sinto que faz parte de ser artista. Mas se for pra falar algo: sou muito mal humorada com fome (fico insuportável), mas muito bem humorada com sono, fico hilária até, não sei explicar.

Ali Prando é filósofo e multiartista. Foi considerado pelo Fórum Cidadão Global como um dos 10 principais líderes brasileiros comprometidos na luta pela igualdade e justiça social em 2020. Pesquisador com as temáticas de corpo e tecnologia, gênero e sexualidade, já apresentou suas perspectivas teóricas nos principais polos culturais do país, entre universidades e instituições culturais, interseccionando aspectos da cultura pop com teorias criadas por autores como Paul B. Preciado, Achille Mbembe e Judith Butler. Enquanto artista, lançou recentemente seu primeiro álbum musical, “GLITCH”, onde narra a história de uma inteligência artificial que passa a se questionar depois de entrar em contato com humanos.

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[Entrevista] Valter Fragoso https://transformamusica.com/entrevista-valter-fragoso/ Tue, 01 Aug 2023 04:32:01 +0000 https://transformamusica.com/?p=739 Há mais de 30 anos no mercado, Valter Fragoso é um dos maiores divulgadores musicais do país e já trabalhou com (quase) todos os nosso ídolos

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Entrevista por Gustavo Koch
Foto de capa por Marcela Lorenzetti

David Bowie, Michael Jackson, Britney Spears, Björk, Pet Shop Boys, Beyoncé, Shakira, Arlo Parks e Sofi Tukker. Poderia ser um festival dos sonhos, mas é só uma amostra da extensa lista de artistas com quem o divulgador musical Valter Fragoso já trabalhou. Há mais de 30 anos no mercado, Valtinho, como ficou conhecido, fez seu nome nos bastidores da comunicação de música do Brasil, passando por rádios, jornais e programas de televisão, onde ajudou a promover o trabalho desses e outros nomes. Viveu a crise das gravadoras com a pirataria de CDs no começo dos anos 2000, a transição para as plataformas de streaming e segue atuando nesse mercado mutante. Ele é o primeiro convidado de uma série de entrevistas com artistas e profissionais que transformam o mercado musical por meio dos seus trabalhos.

Em 1992, Valtinho se dividia entre a vida de bancário e como host da Subclub, uma casa noturna instalada no subsolo da extinta danceteria Columbia, nos Jardins, uma das mais populares da época. Lá, ele era o passe-livre de artistas e celebridades que queriam conhecer a disputada pista da Subclub, onde havia um baile black – uma novidade curiosa para a região. “A primeira vez que eu recebi um salário foi depois de uma festa de lançamento do Emergency on Planet Earth do Jamiroquai, em 1993”, relembra. Foi nesse período em que sua relação com a música se fortaleceu e seu nome ganhou projeção.

Durante o lançamento de “Scream”, a icônica colaboração de Michael e Janet Jackson, que Valtinho conheceu Reca Vieira, da Sony Music. “Eu cheguei pra ela e disse: se tiver uma vaga para trabalhar com vocês eu quero”, conta. A conversa acabou por ali e Valtinho tirou férias do seu emprego como bancário, mas com um movimento ousado. “Falei assim para o pessoal do banco: quando eu voltar das férias eu vou pedir as contas porque vou trabalhar na Sony”. Era mentira, não havia nada certo. “Quando eu voltei, minha mãe avisou que a Reca ligou e pediu para retornar. A gente não tinha telefone em casa, eu usei o da vizinha”. Ficou acertada uma reunião na quarta-feira seguinte. “Chegando lá, eu conversei com Ricardo Silveira, gerente de alto escalão. Ele disse que precisavam de alguém por três meses, apenas. Eu aceitei”.

Tempos depois, já fora da gravadora, outra ligação pedia para que ele acompanhasse o presidente da Sony em um show do Ricky Martin que aconteceria no Moinho Santo Antônio (hoje Moinho Eventos). “Como eu conheci as pessoas, eu liguei e consegui o acesso. O espaço era incrível, bastante luxuoso”. Dias depois, Valtinho foi chamado à gravadora novamente para resolver pendências daquela noite e, entre uma conversa e outra, acabou sendo contratado novamente. “Então eu volte. Lá eu fazia divulgação em casas noturnas. Reunia os DJs, entregava os CDs e articulava os lançamentos para tocar nas pistas”, conta.

Em um mundo pré internet, fazer uma música acontecer exigia criatividade. “Algo que ficou marcado foi o lançamento do primeiro single do Jota Quest, “Dores do Mundo”. Era domingo, nós tocamos a música no Moinho Santo Antônio e na sequência o clipe estreou na MTV e a faixa foi executada na rádio Jovem Pan. Depois, na reunião do marketing, a emoção era generalizada com a entrega que eu fiz. Era algo inédito para a época. Eu era só um menino para eles, sem qualquer grande experiência em gravadora”, diz Valtinho. Essa habilidade em fazer lançamentos com estratégias ousadas passou a ser característica do seu trabalho.

“Depois disso eu saí da divulgação de casas noturnas e fui para TV e rádio. Me tornei supervisor de imprensa na Virgin Music. Lá, nós pegamos o primeiro álbum da Britney Spears com 2 milhões de cópias lançadas no mundo e entregamos com vinte milhões a mais. Naquela época eu também trabalhei com artistas como ‘N Sync, Backstreet Boys, Manu Chao, Smash Pumpkins, George Michael, David Bowie… O que você imaginar de internacional eu fiz”, conta. Desse período, Valtinho também lembra de uma história curiosa que envolveu uma dos maiores produtores do mundo. “Me pediram para acompanhar um artista novo que veio ao Brasil, o Les Rythmes Digitales. Eu mal falava inglês na época, mas perguntei para ele qual era o seu sonho: trabalhar com os grandes, ele disse. Hoje esse cara é conhecido como Stuart Price”, conta entre risos. Price se tornou um renomado produtor musical e é reconhecido por trabalhos com Madonna, Pet Shop Boys, New Order, Dua Lipa e outros gigantes da indústria. “É muita história!”.

Valtinho e Shakira (acervo pessoal)

Uma das artistas que mais marcaram a trajetória de Valtinho foi Shakira. “Em 1997, quando ela veio ao Brasil pela primeira vez, eu fui designado para cuidar dela e da divulgação do Piés Descalzos. Ela se encantou por mim. Ela só saía do hotel quando eu chegava. Eu morava em Itaquera, imagine a distância até o Maksoud Plaza [onde ela ficava hospedada]. Todo dia eu ia e voltava”, conta Valtinho. “ E quando ela não queria cumprir alguma agenda, a gravadora me ligava e eu ia resolver”.

Um momento que ficou marcado foi quando, em entrevista a Jô Soares, ainda no SBT, Shakira chamou Valtinho ao palco para mostrar os passos de samba que ensinou para ela. A timidez do jovem vestindo calça jeans e camiseta de banda logo deu espaço para uma sequência desenvolta de passos acompanhados pela estrela e pelo apresentador. Contudo, nos bastidores, Valtinho estava preocupado com sua imagem profissional e pediu para que Shakira não fizesse mais aquilo. Sempre reservado em seu trabalho, ele temia algum tipo de represália profissional, mas o episódio acabou caindo nas graças do público.

A relação entre os dois seguiu por algum tempo, inclusive durante as gravações do especial MTV na Estrada com Shakira. Anos depois, com ela já consagrada mundialmente e de volta ao Brasil para uma turnê, o reencontro entre a artista e o divulgador aconteceu no Morumbi em 2011. “Preocupada, uma pessoa importante da gravadora pediu para que eu a acompanhasse com medo de que Shakira não atendesse às pessoas. Estávamos com dois quadros enormes celebrando 40 milhões de álbuns vendidos”. No meio da agitação do backstage, Shakira avistou Valtinho de longe e logo veio a seu encontro. “Ela disse: você está igualzinho, só a barba tá diferente!”, relembra ele emocionado. 

A vida de Valtinho ao lado das estrelas não era totalmente compreendida por sua família, natural de Florianópolis (SC). “Um dia eu cheguei em casa e meu pai perguntou se a blusa que o Ricky Martin estava vestindo era minha”, ele ri. “Eles começaram a entender o que eu fazia quando alguns artistas começaram a ligar em casa. Tipo a Fafá de Belém. Uma vez ela me ligou e minha mãe chegou no quarto esbaforida para avisar, ainda tínhamos telefone fixo naquela epóca”. Fafá e Valtinho mantém uma relação de amizade até hoje. “Eles não entenderam quando eu fiz faculdade de publicidade e propaganda. Para eles eu tinha que ser médico, engenheiro… Mas eu sempre fui ligado à música”.

Sua primeira lembrança relacionada à música, ainda na infância, é de quando ganhou de seu avô uma vitrola. “Lembro que algumas das primeiras músicas que eu ouvi foram ‘Não Deixe o Samba Morrer’, da Alcione, e ‘Canto das Três Raças’, da Clara Nunes”. A canção de Clara também é a que mais emociona Valtinho, que vai às lágrimas sempre que escuta. “Eu chorei no filme de Chacrinha, eu chorei no Carnaval, eu choro quando eu vejo o clipe… Me traz uma emoção e uma imagem que eu não sei qual é”, declara.

Outro artista que o toca profundamente é Gonzaguinha, um dos seus maiores ídolos. “Eu contei pro Emílio Santiago a história de uma música que ele regravou em um disco em homenagem [ao Gonzaguinha]”. A faixa em questão, “Avassaladora” (interpretada pelo próprio Gonzaguinha na novela), era tema da personagem de Lúcia Veríssimo, amiga íntima do cantor, mas ele não fazia ideia de tudo que estava por trás da letra. Coisas que só um verdadeiro apaixonado por música é capaz de fazer.

“Eu vi muita gente. Eu tive a oportunidade de ir ao Rio com tudo pago pelos meus pais para ver o George Michael no Rock in Rio, mas acabei ficando para prestar o vestibular em respeito a eles. Saí correndo da prova e assisti pela TV”. Mas embora tenha assistindo shows de grandes ídolos como Madonna e Michael Jackson, Valtinho carrega consigo alguns arrependimentos. “Witney Houston e Amy Winehouse. Da Amy, eu já sabia que era a última e única oportunidade”.

Dentre as memórias mais especiais está o show de Mary J. Blige. “Nada paga o preço do mundo em ter visto é a artista que você mais ama na face da terra. Eu posso nunca mais ver ela na vida, mas eu vi! Muito perto, muito emocionado e cantando, as pessoas querendo falar em inglês comigo e eu [sinalizando que] ‘não’. Eu amo a Mary J. Blige! For me she is the greatest, the queen, the best, is Mary J. Blige”, decreta.

“Meu sonho era ter trabalhado com Cazuza, mas era muito distante e eu teria um problema muito sério com a minha família. Minha mãe odiava o Cazuza, eu colocava pra tocar e ela mandava tirar. Ela dizia: é a sua história e eu não quero ouvir”. A sexualidade explícita do artista – uma pessoa vivendo com HIV – era uma questão dentro da casa de Valtinho. “Nunca foi de se falar [sobre a minha sexualidade], nunca. Meu pai e minha mãe sabiam? Com certeza sim, mas nunca tocamos no assunto. Mas fora de casa, quando as portas se abriram, lá pelos 22 anos, eu não me escondi de ninguém”. 

No trabalho, o fato de ser um homem gay nunca foi um problema, embora fosse necessário se preservar para evitar situações com artistas menos abertos ao assunto. Outros tempos. “Houveram alguns episódios [de homofobia]… Eu precisei me impor algumas vezes. Não existia essa palavra, homofobia, era uma questão de respeito mesmo e eu tinha que preservar o meu lugar profissional”. Hoje, aos 51 anos, Valtinho vive sua sexualidade plenamente e diz seguir aprendendo sobre as questões de gênero e sexualidade com seus amigos mais jovens.

Ao longo de sua trajetória, Valtinho viu de perto as crises e mudanças do mercado fonográfico. “Eu passei por tudo, né? Peguei o CD e a pirataria pesada, com discos a um, dois reais, enquanto o oficial era comercializado a trinta. As gravadoras não entenderam. E quando tentaram entender já era tarde. Quando entrou o Napster então, esquece… Elas não conseguiam acompanhar”. Olhando para o contexto atual, Valtinho enxerga uma lacuna nessa relação. “As gravadoras ‘esqueceram’ que as pessoas de 50, 60 anos não consomem streaming. Elas seguem no rádio.”

Por isso, ele defende o veículo como um meio de divulgação importantíssimo para os novos artistas. “A rádio pega o interior do interior. O artista vende show se tocar na rádio. O público dessas regiões muitas vezes não vê TV, não sabe quem é o número um do Spotify. A pessoa pode até saber que esse ou aquele artista sertanejo é grande, mas se não tocar na rádio não vai existir na realidade dela. E se não for a música mais pedida da rádio daquela cidadezinha, o prefeito não vai contratar, entende?”. “Eu cheguei a ser demitido em um momento em que isso não era entendido, em que os streamings eram a única prioridade”, conta. “Hoje eu trabalho com música independente. As minhas músicas independentes são tão grandes que as pessoas não fazem ideia. E eu as toco nas rádios. Elas acontecem”. 

Há cinco anos ele trabalha na ForMusic, junto do empresário Nando Machado, onde estão construindo um novo capítulo para a música independente no Brasil, conectando marcas, empresas, artistas e bandas com seu público-alvo através de projetos inovadores.

Perguntado se hoje em dia está mais fácil divulgar música, Valtinho afirma que sim, mas com ressalvas. “A gente junta tudo, o YouTube, os streamings, e isso ajuda muito. O artista pode ter 10 milhões de ouvintes no Spotify, mas se ligar na rádio e eles não souberem quem é, não vai tocar. Porque esse artista não é mainstream. O trabalho precisa ser estratégico”. 

Para os novos artistas independentes, Valtinho deixa uma dica. “A gente sabe que muitos não têm dinheiro para ir para a rádio. O mínimo que pode ser feito é investir em uma assessoria de imprensa para tentar emplacá-los, em sites, blogs, onde seja. Isso vai ajudá-los a vender o trabalho”. E não para por aí. “É preciso correr atrás, fazer shows, por menores que sejam. Tem que bater nas portas, invadir espaços”, finaliza.

Gustavo Koch é produtor cultural, comunicador, curador e gestor de projetos. É produtor executivo e um dos criadores do Transforma Música. Também é colaborador do portal escutai.com, onde escreve sobre música, shows e novidades do mercado. Em 2019, foi nomeado como Líder Local pelo World Creativity Day, iniciativa internacional apoiada pela ONU.

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Entendides: eu lírico queer na música brasileira contemporânea https://transformamusica.com/eu-lirico-queer/ Wed, 05 Jul 2023 01:00:59 +0000 https://transformamusica.com/?p=706 A música brasileira saiu do armário e os eu líricos são um babado!

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Por Wagner Rodolfo (Waguinho MPBDoll)

Um mundo sem referências é um mundo sem possibilidades de existências. Lembro da primeira vez em que soube que um artista era gay: um tio falava, com um certo deboche, sobre o talento de Ney Matogrosso e toda sua “pinta”, “apesar de”, num misto confuso de preconceito e admiração. É curioso escrever aqui como uma pessoa que pegou muitas mudanças de representações e diversas evoluções no debate — não haviam tantas referências LGBTQIAP+ (na época, falávamos GLS, risos) contemporâneas no ensino médio, ali por volta de 2011, mas lembro de pipocar referências no segundo e terceiro ano da faculdade, entre 2015 e 2016 com Jaloo, Leo Fressato, Liniker, As Baías (na época, acompanhadas da Cozinha Mineira), Linn da Quebrada, Davi Sabbag, Mel, Mateus Carrilho, Yantó (antes Lineker), entre outres.

É possível ser uma artista assumidamente LGBTQIAP+ (apesar do preconceito, apesar de exclusões em alguns circuitos, apesar de muitos pesares) e cantar sobre isso (ou não). Penso que, em uma época não muito distante, era preciso utilizar certas metáforas para dizer o que seria “proibido” ou o que poderia ser censurado, como Renato Gonçalves trabalha em “Elas Duas”, livro de 2016 onde cita o sutil “jogo de damas” da canção “Valeu”, de Marina Lima, ou — como ele diz — o erótico “vermelho de horizontes distintos” em “Ciúme de Mim”, de Claudia Dorei. Gonçalves comenta que essas referências só são compreendidas por quem é “entendido”, termo utilizado por muito tempo para denominar o indivíduo homossexual.

Mas e os artistas contemporâneos? Quem são os artistas queers, com eu líricos queers, que, com (ou sem) a necessidade de frisar essa dissidência, falam de amores, inquietações, partindo de uma voz queer? 

Um grupo que você precisa ficar de olho é o D’água Negra. O trio manauara, que mistura influências do Jazz com música eletrônica, oscila entre o elegante e o bagaceira com muita classe. Lançaram um EP em 2021, o “Erógena” (2021), trabalho que passa por assuntos desde o caos pandêmico (e o descaso do antigo governo com o país), até outras subjetividades do grupo. Vale destacar que os três integrantes — Melka, Clariana e Belch — são pansexuais.

Observemos a canção “Yoga Gota Boca Ardente”: “Imagina quando você tá começando a conhecer aquele cara, é o primeiro encontro, aí tu entra no ‘apê’ dele, ele fica te olhando e tu olha pra ele, é tarde, é  tarde, eu acho que tá uns 34 graus lá fora, tua pele tá até um pouco meio oleosa”. A letra, ora cantada ora declarada, é como um áudio-ensaio. É interessante perceber que o início se dá com o eu lírico conversando com uma amiga sobre uma situação hipotética, mas, em determinado momento, fica tudo na primeira pessoa, como se ele estivesse falando com o boy. A voz bicha, descrevendo diversas imagéticas, vai seduzindo o ouvinte. A canção parece muito com um episódio que você viveria no Grindr: “Tu sabe que еle não é flor que se chеire. Aí tu olha assim pra ele, meio que de canto, e fala: ‘a saliva, o gosto, o gozo, o sopro que escorrega dessas tuas palavras aí me intriga, sabia?’”.

D’água Negra (Louise Amendola)

Bruno Belchior, o Belch, conta que “Yoga Gota Boca Ardente” é uma música que nasceu no período pandêmico, sendo inclusive a primeira música do grupo. “Eu estava no quarto, enlouquecendo, tentando dar conta desse corpo e dessa experiência de isolamento em meio a essa loucura. Já estava um pouco cansado de qualquer tipo de estimulação corporal que eu poderia ter, falando de tesão mesmo… Ele vinha, mas eu estava cansado de não conseguir sair para ver pessoas, ir para dates, com saudades disso, de conhecer uma pessoa pela primeira vez. Sempre gostei muito de primeiros encontros”. Essas vontades e sensações o inspiraram para escrever a letra (bem letruxiana – a pedido de sua parceira da banda) da faixa em cima dos beats que Clariana produziu, um house eletrônico e com certa nostalgia.

Belch diz ainda, sem pestanejar, que sua primeira referência queer na música foi Ney Matogrosso, por influência do avô que tinha muitos discos do artista. “Sempre fiquei instigado pela teatralidade, pela piração, pela provocação corporal que ele tinha”. O artista também comenta que, além dessa memória afetiva, os Secos e Molhados estão cada vez mais fazendo sentido para ele e até influenciando em alguns processos do grupo — mesmo depois de um bom tempo, uma referência queer pode reverberar de alguma forma no trabalho de outro artista queer. 

Nota do autor: considero o eu lírico de “Yoga Gota Boca Ardente” escancaradamente bicha, sem metáforas sobre ser “entendide” ou algo do tipo, mas trago uma outra canção cujo eu lírico descobri.

Outro exemplo é “Back in Bahia”, de Luiza Brina, que muitos interpretam um eu lírico apaixonado — “And all the love songs that I wrote for you will make sense” [“E todas as canções de amor que eu escrevi pra você farão sentido”] —, diferente do que a artista imaginou. Com uma carreira de mais de dez anos, Brina possui diversas canções-orações, que criou pois queria aprender a rezar. Mas para além dessas canções de grandes reflexões espirituais e existenciais, a artista possui algumas outras românticas, como é o caso de “Back in Bahia”, que demonstra a dor de um coração sapatão partido. “Eu estava em Morro de São Paulo e vivi um amor de verão que foi muito importante para minha vida, mas que ali na viagem eu tinha certeza que era só uma coisa passageira”. Luiza conta que rascunhou as canções do seu primeiro disco, “A Toada Vem É Pelo Vento” (2011), em um catamarã, depois de viver esse intenso romance de verão. Intrigante que, com essa informação, o eu lírico ganha mais força, como no trecho “And then you will notice you lost a great chance” [“Então você vai perceber que perdeu uma grande chance”] — quem nunca se sentiu assim depois de tomar um fora? 

A letra segue, em inglês: “Mas então, um dia, quando você estiver de volta na Bahia, vai escutar aquele velho disco de Maria (Bethânia) / Mas então, um dia, quando você estiver de volta na Bahia, vagando por aí, de mãos dadas com Maria”. Em uma leitura rápida, pode se interpretar que o amado estava andando de mão dadas com outra Maria, mas se tratava de uma amada. E soa ainda mais curiosa ao citar Maria Bethânia, uma referência que sempre teve um mistério em torno de sua sexualidade.

Luiza Brina (Alice Sposito)

Sobre suas primeiras referências LGBTQIAP+, Brina cita aquela que já havia sido mencionada na canção. “Quando era mais criança, não tinha tantas referências assumidas. Por exemplo, havia um mistério acerca da Maria Bethânia e da Gal, que era dito, mas era meio ocultado. Desde pequena, era muito fã das duas, e ficava com essa curiosidade, querendo saber se isso era verdade”, além de mencionar Cássia Eller, uma figura assumidamente lésbica.

Se antes havia muitos mistérios sobre sexualidades e gêneros, hoje vejo que a pluralidade de existências possibilita inúmeras referências queers na canção e, cada vez mais, temos, por exemplo, referências não-binárias nas artes. Essas referências estão aí há muito tempo, mas agora se posicionam dessa maneira, questionando o cis-tema.

Outro exemplo é Viridiana (foto de capa), artista trans-não-binária que vem construindo essa imagética queer desde o disco “Transfusão” (2021). Em 2023, a artista lançou a canção “Pérolas de Plástico”, que explora suas influências de house e disco em meio a vivências pessoas. “Eu sou a perdição com um cordão de pérolas de plástico, eu sou uma sereia travesti no meu império aquático”, ela canta.

A partir de si e de refletir o seu corpo no mundo, Viridiana nos apresenta todas as possibilidades de suas plasticidades ao cruzar a cidade de um ponto A até um ponto B. A artista conta que a canção surgiu de um dia que o Uber estava muito caro e, então, ela decidiu caminhar pelas ruas de Porto Alegre. Nisso, refletiu sobre a imagem construída entorno de uma artista pop independente enquanto caminhava, e o signo das “pérolas de plástico” veio à sua cabeça. “A expressão surgiu como uma coisa chique-fake, uma coisa pseudo-glamour e, ao mesmo tempo, essa imagem da pérola, para mim, remete a uma feminilidade muito tradicional”, diz. “Ela ser de plástico incorpora uma coisa que construo desde meus primeiros trabalhos como Viridiana, que é essa coisa de buscar uma plasticidade, uma coisa androide, fugindo dessa feminilidade tradicional”, arremata.

Há muita potência no que Viridiana evoca, pois eles apresentam um jeito de ser e existir distinto dos impostos pela norma: “uma sereia-travesti”, uma rainha, “vênus em revolução”. Sobre quais foram suas primeiras referências, ela de cara responde David Bowie e Madonna, figuras emblemáticas na temática “criar novas formas de ser”. A artista também comenta a importância de ter assistido à Laverne Cox em “Orange is the New Black”, uma figura tão representativa que chegou a ser a primeira mulher trans a inspirar a produção de uma boneca Barbie.

Contudo, o mais bonito na fala da Viridiana é saber que uma de suas grandes referências veio da própria família. “Quando eu tento resgatar essas primeiras lembranças, acho que estaria sendo muito desonesta se não falasse que a primeira pessoa que sentou e falou comigo sobre tudo isso foi a minha irmã mais velha, a Florença, que é uma mulher lésbica”. Viridiana conta que foi um processo muito difícil para a família, mas que, para ela, foi algo normal e conversado de uma maneira franca com a irmã. “De certa forma, minha primeira referência LGBT foi a minha irmã, e acho que isso é um baita de um privilégio, porque é uma pessoa que amo muito, uma pessoa muito próxima e uma pessoa que me ensina até hoje. Inclusive, ela é a designer do meu disco ‘Transfusão’, ela faz a maioria dos meus cartazes de shows, quem fez meu merchandising foi ela, então a gente está juntas até hoje! Tá vendo? Famílias LGTBs… Prosperando!”, enfatiza.

Há uma vasta lista de canções com eu lírico queer para nos aprofundarmos, como é o caso do trabalho de Bixarte, “Traviarcado” (2023), que coloca na mesa todas as questões da luta trans e traz à luz do debate, por exemplo, a luta dos homens trans em “Carta de Advertência” — “Que você me queria calado, sempre achando que meu corpo que tá enganado, mas pra ser um homem eu não preciso ter um falo, eu falo até não ter, mas você tá suicidado, eu não vou baixar minha cabeça não, vai se acostumar a ver transmac com mic na mão”. A faixa é uma parceria da artista com Julian, grande destaque da música independente da Paraíba, e Winnit, um dos maiores MCs de rap do Brasil. 

Também podemos falar de muitas outras canções, como “Quem Soul Eu”, de Linn da Quebrada — “Muito prazer, eu sou a nova Eva, filha das travas, obra das trevas”; em “Onda”, da Àiyé, não há disfarce para o eu lírico sáfico — “Cê fica mais linda sem essa onda de caça e caçador”; Deize Tigrona chama todas as gatas para o sururu das meninas — “Suruba das meninas, só entra dedo e língua”; Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, levanta a bandeira bissexual com “I love meu jeito de bi”; Bruna Mendez canta em “Mapa” que “Me sinto segura entre seus seios”. Para além de inúmeras referências no eu lírico das canções, há também artistas que se tornam referências simplesmente por suas existências e seus trabalhos, em inúmeras expressões artísticas trans, sejam femininas, masculinas e/ou não-binárias, como Jáder, Ana Frango Elétrico, Klüber, JUPI77ER, Gabrelú, Venusto, Lindsey Vianna, Zerzil e Gali Galó.

Precisaríamos de páginas e páginas para analisar tantas canções e apresentar tantos artistas (quem sabe em outro texto), pois é uma lista interminável — descartando qualquer justificativa de festivais não encontrarem artistas LGBTQIAP+ para integrarem seus line-ups — o que não seria possível décadas atrás. Seja no eu lírico bicha de uma banda pansexual falando sobre um date, seja num eu lírico sapatão cantando a dor de coração depois de um amor de verão na Bahia, seja numa artista-não-binária cantando sobre o seu ser no mundo e suas pérolas de plásticos: é muito importante ter referências, é muito importante existirem inúmeras possibilidades de referências para inúmeras possibilidades de existências. Nem todo mundo tem a sorte de ter uma Florença na família. 

Geógrafo de formação, artista de coração, Wagner Rodolfo (ou Waguinho MPBDoll) pesquisa música brasileira desde 2012. Cria da Musicoteca, é ouvinte atento e não deixa passar um lançamento nacional sem seus comentários. Assessor de imprensa e produtor cultural no selo Dobra Discos, Waguinho já colaborou com o site Polvo Manco e escreve mensalmente para o portal de música guatemalteco El Timbre Suena.

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Sem medo de abalar: a efervescência musical da comunidade queer mantém viva a noite underground de São Paulo através das décadas https://transformamusica.com/sem-medo-de-abalar/ Thu, 29 Jun 2023 23:25:33 +0000 https://transformamusica.com/?p=665 Essa movimentação contribui com a formação da identidade cultural da cidade e é atravessada por questões econômicas e sociais.

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Por Renan Guerra

Em novembro de 1978, o Lampião da Esquina – primeiro jornal LGBTQIAP+ de circulação nacional – trazia uma histórica entrevista com a sambista Leci Brandão em que, entre tantas falas icônicas, ela era afirmativa ao dizer: “o sistema descobriu uma coisa: gay agora vende, dá bom lucro”. E parece que essa máxima só confirmou mais e mais real, por isso mesmo é que atualmente discutimos tópicos como o Pink Money, a exploração de nossas pautas por marcas e pelo mercado publicitário e buscamos, cada vez mais, entender como esse lucro pode chegar realmente aos nossos. E quando isso tudo envolve arte e artistas que estão as margens desse sistema mercantil, é preciso ainda mais atenção.

Nos últimos dez anos, a música brasileira passou por uma espécie de saída geral do armário e aquilo que era subentendido e que ficava não dito se mostrou escancarado. O mercado logo correu tentar surfar nessa onda: a geração tombamento, a onda de drags na música pop e mais uma série de ações demarca uma nova fase de se pensar a música de artistas LGBTQIAP+ no Brasil. De todo modo, antes de pensarmos no presente, é preciso voltar um pouco no passado, pois se tem uma coisa que a música brasileira sempre deu foi é pinta. Na mesma matéria lá de 1978 do Lampião, eles cunhavam o termo MPE – Música Popular Entendida.

Entendido (en.ten.di.do) adj
Aquele que é homossexual. Gíria brasileira para quem entende da homossexualidade.

A MPE poderia ser definida pelas músicas da própria Leci Brandão, falando sobre as suas experiências enquanto mulher negra e lésbica; poderia se aplicar também ao cancioneiro apaixonado de Angela Ro Ro ou as performances intensas de Ney Matogrosso. Existem muitos entendidos e entendidas na nossa história da MPB – quanto a isso, vale conferir o livro “História Sexual da MPB” (2006), de Rodrigo Faour. E aí se vamos para o underground, o Brasil sempre foi fértil picadeiro “das loucas e dos lazarentos”. Exemplo disso é a noite de São Paulo, que já foi palco de nomes fundamentais que apresentavam sua arte de forma pioneira. E aí não podemos esquecer de quem veio antes, como dois nomes importantes dos anos 1980: Claudia Wonder e Patricio Bisso.

Claudia Wonder nasceu em São Paulo em 1955 e já na adolescência começou sua transição de gênero, na mesma época em que passou a ser presença frequente no underground noturno. Atriz de cinema, fez diferentes trabalhos na Boca do Lixo e tem créditos em filmes assinados por diretores como Carlos Manga, Victor Di Mello e Alfredo Sternheim. Na década de 1980, Wonder era cantora punk, vocalista da banda Jardim das Delícias e seu show era o ponto de encontro dos modernos de São Paulo. O pessoal comia e bebia no restaurante Ritz, ali na Alameda Franca, e depois descia em debandada para o Madame Satã, onde viam Claudia Wonder fazer suas performances, incluindo a icônica apresentação em que ela se banhava nua numa banheira cheia de sangue falso. Coisas possíveis nas madrugadas daqueles tempos e que só existem na memória de quem viveu, pois há poucas gravações sonoras e visuais dessa fase.

Depois disso, Claudia fez tantas outras coisas: morou na Europa, foi colunista da revista G Magazine, lançou disco de música eletrônica, participou de peças de teatro e filmes e se tornou um nome fundamental do ativismo trans. Ela faleceu em 2010, aos 55 anos, mas em 2009 sua vida se transformou em um belo filme chamado “Meu Amigo Claudia”, de Dácio Pinheiro, de título homônimo da crônica escrita por Caio Fernando Abreu para ela. No texto, Caio resumia assim: “Meu amigo Cláudia é uma das pessoas mais dignas que conheço. E aqui preciso deter-me um pouco para explicar o que significa, para mim, ‘digno’ ou ‘dignidade’. Nem é tão complicado: dignidade acontece quando se é inteiro. Mas o que quer dizer ser ‘inteiro’? Talvez, quando se faz exatamente o que se quer fazer, do jeito que se quer fazer, da melhor maneira possível. A opinião alheia, então, torna-se detalhe desimportante. O que pode resultar – e geralmente resulta mesmo – numa enorme solidão. Dignidade é quando a solidão de ter escolhido ser, tão exatamente quanto possível, aquilo que se é dói muito menos do que ter escolhido a falsa não-solidão de ser o que não se é, apenas para não sofrer a rejeição tristíssima dos outros.”

Patricio Bisso era argentino, nasceu em Buenos Aires em 1957, mas assim como uma gama de pessoas, o artista escolheu São Paulo para ser seu palco e se mudou para cá nos anos 1970. Artista gráfico e ilustrador, Bisso começou a explorar no palco e na TV diferentes personagens femininas que lhe encantavam. Seu primeiro sucesso surgiu na Abril Vídeo (uma espécie de proto-MTV que existia da parceria da editora Abril com a TV Gazeta), onde sua personagem Olga del Volga, uma sexóloga russa, se tornou sensação. Olga seria um ícone oitentista e depois até ganharia presença cativa no sofá do programa da Hebe. De todo modo, Patricio Bisso virou sensação mesmo em 1985, com seu espetáculo “Louca pelo Saxofone”.

Apresentado nos palcos do Sesc Pompéia, a obra era marcada pelas múltiplas personagens de Bisso, que trocava 25 vezes de roupa, 12 vezes de perucas e apliques, e oito de luvas e sapatos. No show, ele cantava em cinco línguas: português, espanhol, inglês, francês e italiano, homenageando nomes diversos como Rita Pavone, Dorothy Lamour e Emilinha Borba. “Louca pelo Saxofone” virou disco, com participações luxuosas de Rita Lee e Wanderléa. O trabalho foi lançado em 1987 pela extinta gravadora RGE, até chegou a ser reeditado em CD em 2018 pelo selo Discobertas, mas ninguém mais tem CD, não é? E esse disco não se encontra nas plataformas digitais – essas coisas do nosso tempo em que tudo teoricamente está disponível e não está. Em 1985, Bisso foi até capa da Vejinha – aquela versão paulistana da Veja – com suas múltiplas personagens estampando uma deliciosa matéria assinada por Ruy Castro. Nos anos 1990, Bisso fez seus últimos shows pelo Brasil, até que nos anos 2000 retornou para sua terra natal, Buenos Aires, onde veio a falecer em 2019.

A música e a arte LGBTQIAP+ não são uma só

Essas histórias de dois personagens icônicos dos anos 1980 servem meio que para dizer que existimos desde sempre e estamos aí a criar e produzir. Nada nasceu em 2010 e, além disso, somos muitos e múltiplos. Nos últimos anos, se tornou comum no jornalismo cultural tentar criar um guarda-chuva de “música LGBTQIAP+” que segue apenas a lógica de considerar a orientação sexual e/ou a identidade de gênero do artista, quando na realidade são tantos artistas produzindo música em diferentes gêneros e propostas que reduzi-los a esse recorte serve apenas para diminuir as nuances e complexidades desse trabalho e colocá-los novamente em um gueto.

Quando se faz um recorte apenas regional e se pensa no cenário queer de São Paulo, podemos pensar em múltiplos nomes de artistas naturais do estado ou não que criam em diferentes frentes: temos a cena ballroom e seus DJs e MCs; temos criadores de música eletrônica da noite; artistas de funk das periferias da capital; nomes que ressignificam o sertanejo dentro do queernejo; rappers de flow poderoso nas batalhas de rimas; cantores e cantoras de MPB (ou MPE, como queira) e mais uma gama de possibilidades que não devem ser apenas demarcadas por suas experiências enquanto LGBTQIAP+. De qualquer modo, entender as especificidades desses artistas é também entender seus movimentos e suas ações quando se pensa nas vivências únicas de cada identidade.

Para pensarmos nisso, conheça abaixo cinco nomes pulsantes e interessantes de diferentes vertentes que habitam essa loucura que é a cidade de São Paulo:

Sodomita – Cria do extremo da Zona Leste de São Paulo, Sodomita é uma artista múltipla, que passeia entre a cena ballroom e os eventos de grime e drill, trabalhando tanto como MC quanto como chanter, a figura que é a mestre de cerimônia dos encontros de ballroom. É no rap e no funk que ela encontra subsídios para contar suas narrativas e é através das experiências com o ballroom e o vogue que ela se vê plena em sua identidade. Ano passado, Sodomita se apresentou no Boiler Room, programa gringo que disponibiliza sessions de música eletrônica na web, e é uma boa apresentação de seu flow e de sua força nas rimas para quem ainda não a conhece. Outro bom exemplo é a sua participação no Brasil Grime Show, ao lado de Sé da Rua e diniBoy. Suas experiências e vivências enquanto travesti negra viram versos fortes de uma artista que é intensa com o microfone na mão e uma doçura fora dos palcos.

Mia Badgyal – Mia Badgyal surge na noite paulistana como drag queen e DJ e é nesse processo entre lançamentos musicais e autodescoberta que a artista vai se transformando artística e intimamente. A cantora trans consegue resumir e apresentar toda a sua efervescência em seu recém-lançado disco de estreia “Emergência”, que foi produzido ao lado da dupla Cyberkills, e conta com a participação de nomes diversos como Jup do Bairro, Frimes e Carneosso (do Teto Preto). Badgyal tem na espinha dorsal de seu som a música eletrônica, mas aí nesse balaio entram diferentes vertentes dessas sonoridades, indo do technobrega ao eurodance, passando pelas refs da música pop latina atual, tudo amarrado em canções de embalagem pop e grudenta, que dialogam com a cena de música drag nacional, mas que ainda assim miram outros cenários sonoros e sensoriais.

Maria Beraldo – Maria Beraldo é cantora, compositora e clarinetista brasileira, já tocou com Arrigo Barnabé e Elza Soares e integra a celebrada banda instrumental Quartabê. Seu primeiro disco solo, “Cavala” (2018), é como uma experiência entre as canções de MPB e música eletrônica, num processo de mergulho em suas vivências enquanto mulher lésbica, falando sobre temas como paixão, descoberta e tesão. Artista múltipla e que está sempre em colaborações diversas com outros artistas da cena paulistana, Beraldo é também um nome importante das trilhas sonoras do cinema nacional: sua trilha original para o filme “Regra 34” (2022), de Julia Murat, é uma delícia tão despudorada e interessante quanto o ousado filme que fala sobre BDSM e raça. Seu mais recente trabalho é a trilha de “Levante”, de Lillah Halla, filme premiado em Cannes pela Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci).  

Kontronatura (foto de capa) – Kontronatura é um projeto iniciado em 2019 por Achille, DJ e produtor trans não-binário e residente de festas como a Mamba Negra. Kontronatura tem um olhar inesperado e interessante sobre a música eletrônica, buscando amalgamar todas as raízes negras desse gênero. Funk, dancehall, footwork e mais uma série de gêneros se embrenham em seu trabalho, seja em suas discotecagens ou em suas produções. Seu primeiro EP “ORI”, lançado recentemente pelo selo MambaRec, é uma experiência sonora intensa, em que camadas de beats se embolam ao máximo. Se quiser ir mais fundo no trabalho do artista, vale conferir seu recente set para o canal HÖR BERLIN, que aí o impacto será certíssimo!

Irmãs de Pau – A regra se tornou clara nos últimos meses: se temos Brunoso no beat, temos Irmãs de Pau no pique. Com o hit “Shambaralai”, as multiartistas Isma Almeida e Vita Pereira se tornaram presença em festas, festivais e trios elétricos pela cidade de São Paulo. A dupla Irmãs de Pau surgiu durante o período de pandemia a partir da amizade de Isma e Vita, duas travestis negras que se conheceram lá em 2014, numa ocupação estudantil, em uma escola da Zona Oeste de São Paulo. Com bom humor e uma acidez na medida, as Irmãs de Pau mesclam funk, hip hop e música eletrônica, como pode ser conferido no disco de estreia “Dotadas”, de 2021, que conta com a participação de nomes como Jup do Bairro, Alice Guél e A Travestis. A história das artistas pode ser conferida no recente curta-metragem “Nóis é Cria!”, de Bruna Coutt e Márcia Barros.

A noite é feita para dançar e barbarizar

Esses cinco artistas que vimos acima podem ser vistos em festas, em palcos, em DJ sets experimentais em locais múltiplos que vão de festivais de música a teatros, passando, claro, pelos velhos galpões da cidade. Nos últimos anos, a noite paulistana teve uma lufada de novas experiências e potencialidades e se fortaleceu novamente como um espaço importante para a circulação de artistas, coletivos e produtores. É um clichê e tal, mas São Paulo é realmente um espaço múltiplo e com possibilidades amplas de circulação e aí estamos falando nas mais variadas frentes. E nisso se repetem os casos de artistas que veem na cidade uma possibilidade de morada para suas obras artísticas e suas existências. Exemplo disso é a cantora Filipe Catto, natural do Rio Grande do Sul e que mora na cidade há 13 anos.

“Diante de um país que a gente sabe como é complicado, machista, LGBTfóbico e misógino – e uma realidade que a gente vivenciou de maneira tão crua nos últimos anos –, São Paulo acabou se tornando um dos poucos lugares viáveis para pessoas dissidentes poderem circular, ter uma rede”, conta Catto. “Culturalmente, pensando em trabalho e mercado de emprego, oportunidades de projeto, São Paulo continua sendo um dos únicos lugares viáveis de se viver para ser artista, o que é uma lástima, eu não acho que isso seja o ideal. E isso que eu amo São Paulo, independente de tudo, me sinto muito bem aqui, acho que é uma cidade extremamente inspiradora, extremamente cosmopolita. E me dá muito orgulho viver nessa cidade que tem uma profusão de arte, que tem esse monte de coisa maravilhosa acontecendo sempre, com seus encontros e a maneira com que ela muda rapidamente a cada pouco”. 

Filipe Catto (Reprodução)

São Paulo tem uma pulsante vida underground de festas, teatros independentes, bares & inferninhos, o que possibilita uma gama de possibilidades artísticas e musicais. O DJ Mirands, residente de festas como a Batekoo e Dando, é natural da Bahia, mas tem grande parte de sua agenda profissional na cidade de São Paulo, local em que mora desde 2015. “A noite tem se renovado constantemente”, explica ele, “e vejo a cena cada vez mais diversa principalmente no que diz respeito a festas independentes. Há um tempo existe um movimento de (tentativa de) valorização de outros tipos de corpos dentro desses espaços, que começou no underground com a criação da Lista Trans, que visa o acesso de pessoas travestis e transexuais em espaços de lazer, e hoje se ampliou, tendo essas pessoas em equipes fixas de trabalho e como DJs e performers em festas muito grandes da cidade. Com essa renovação e a chegada dessas novas pessoas com outras referências sempre temos a oportunidade de presenciar muita experimentação, e isso faz com que essas novas sonoridades acabem sendo valorizadas”, finaliza.

Nesse sentido, enquanto algumas marcas tentam cooptar muitas estéticas e possibilidades artísticas surgidas na comunidade LGBTQIAP+, é interessante perceber como ainda se mantem uma cena artística underground em que o mais importante é a criação artística e os tensionamentos do que é esperado ou não de nós. É óbvio que as coisas não são um mar de rosas e muitos desses artistas ainda sofrem para pagar as contas e fechar no saldo positivo a cada mês, de todo modo é também latente que eles não são nomes de uma só estação, não são produtos midiáticos para uma campanha, mas sim são artistas que colocam em suas obras todas as potencialidades e complexidades de suas existências nessa cidade na qual a “força da grana ergue e destrói coisas belas”.

Nisso tudo, é fundamental que, em determinados momentos, a gente se agarre nessa coletividade enquanto uma comunidade e entenda a importância de criar espaços seguros e de celebração desses artistas e de suas artes. A existência de festas, eventos, mostras e festivais que construam diálogos e potencialidades para a profissionalização e a independência de artistas e produtores é também uma forma de se defender de um mercado que pode ser bem sanguessuga. Pois como disse Leci Brandão, se o sistema descobriu que gay agora vende e dá bom lucro, que esse lucro seja abundante para os nossos!

Renan Guerra é jornalista e escreve para o site Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o site Monkeybuzz e a revista Balaclava.

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Transforma Música, o primeiro evento de mercado musical para pessoas LGBTQIAP+ https://transformamusica.com/transforma-musica-o-primeiro-evento-de-mercado-musical-para-pessoas-lgbtqiap-2-2/ Tue, 16 May 2023 02:32:30 +0000 https://transformamusica.com/?p=524 Com programação gratuita, o Transforma Música acontece entre os dias 9 e 23 de junho em São Paulo.

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São Paulo terá seu primeiro festival dedicado exclusivamente às demandas das pessoas LGBTQIAP+ no mercado musical. Transforma Música é o nome do evento que vai acontecer entre os dias 9 e 23 de junho no Centro Cultural Olido, no Centro Histórico da cidade. A programação é gratuita e vai reunir artistas e profissionais do setor em atividades formativas sobre temas de criação e gestão de música, além de shows e mostra de videoclipes.

Dentre os destaques da programação estão a participação das cantoras Filipe Catto e Jup do Bairro em conversas e shows, as apresentações do histórico duo de música eletrônica Noporn, e da cantora goiana de R&B Bruna Mendez. Destacam-se também os encontros com profissionais como Bia Bem, especialista em marketing digital que se tornou referência em comunicação musical ao trabalhar com Linn da Quebrada, e João Monteiro, diretor de filmes e videoclipes que já colaborou com alguns dos maiores nomes do cenário mainstream brasileiro, como Pabllo Vittar, Ludmilla e Gloria Groove.

Em sua primeira edição, o projeto vai promover o compartilhamento de ideias e ferramentas que auxiliem no desenvolvimento de novos artistas LGBTQIAP+, sejam jovens ou em início de carreira, apresentando uma programação temática dividida em dois eixos, Criação e Gestão, e que tensiona assuntos como identidade, gênero, raça e sexualidade. “Nossos temas e convidados são grandes referências em suas áreas e se mantêm fiéis a uma ética de trabalho que desafia a binaridade de gênero e outros padrões normativos impostos aos nossos corpos”, explica o curador e um dos criadores do Transforma Música, o filósofo e artista queer Ali Prando. “Esse encontro entre experiência e pensamento é tão necessário, quanto explosivo”, diz.

A retomada do setor cultural também é uma preocupação do Transforma Música. “O festival acontece neste momento de celebração de rápidos e grandes avanços na política cultural brasileira, como a Lei Paulo Gustavo, mas não podemos esquecer do rastro de destruição e do extenso e complexo trabalho de saneamento social e econômico que precisa ser feito. Fortalecer artistas e profissionais que estão adentrando o mercado agora, ao mesmo tempo em que debatemos questões que atravessam nossas existências, é um movimento em busca ajustes no setor”, diz Gustavo Koch, produtor executivo e co-curador da iniciativa.

“São inúmeras as questões que dificultam a participação das pessoas queer na indústria musical, mesmo no mercado independente. O Transforma Música surge, então, como uma oportunidade de criação de redes e celebração da cultura transviada brasileira para que tenhamos um cenário mais saudável e sustentável no futuro”, explica Prando. “Não é mais sobre ‘ocupar espaços’, estamos em uma fase onde podemos criar nossos próprios espaços, porque os lugares antes ocupados, de um jeito ou de outro, sempre nos cabiam através de diversas violências”, complementa o artista.

“A identidade virou rótulo musical”, aponta Koch. “Artistas LGBTQIAP+ são resumidos a seus corpos e pautas perante os algoritmos das plataformas de streaming, diminuindo oportunidades de expansão das suas carreiras e obras. Fica parecendo que fazemos música para nós mesmos, enquanto, na verdade, alguns dos melhores trabalhos da MPB contemporânea foram feitos pelos nossos, por exemplo, mas seguem restritos ao nicho por conta de lógicas do mercado”, diz o produtor.

Essas e outras questões formulam as ações do projeto, que foi viabilizado por meio do Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo estadual, e tem apoios da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e dos sites Escutai e Hits Perdidos.

A programação começa no dia 9 de junho, sexta-feira, a partir das 18h, quando será aberta a mostra de videoclipes Queer View, que reunirá trabalhos de artistas independentes LGBTQIAP+ brasileiros. A noite terá ainda apresentações da cantora Jup do Bairro e do DJ Gui Tintel (festas Trophy e Poppers). Não é necessário retirar ingressos para este dia.

No sábado (10), quem abre a sequência de atividades é Jup do Bairro, que vai conversar sobre os atravessamentos de ser uma artista LGBTQIAP+ no Brasil, a partir das 11h. A programação segue com participação da musicista Navalha Carrera (“Descobrindo sua sonoridade”, 14h) e o do diretor audiovisual João Monteiro (“A importância do videoclipe”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, sobe ao palco da Sala Olido a cantora goiana Bruna Mendez, encerrando a turnê do seu disco “Corpo Possível (Deluxe”). Depois, às 19h30, é a vez de Filipe Catto apresentar os sucessos que marcaram sua carreira. Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (11), o músico e especialista em marketing digital Siso abre a programação (“O papel das gravadoras e distribuidoras”, 13h). Na sequência, é a vez da produtora cultural Ana GB, que integra a equipe do festival Afropunk Bahia (“Planejamento de carreira e gestão de negócios”, 14h45). Encerrando o dia, o evento recebe Vander Lins, Coordenador de Programação Cultural e Projetos Especiais da Cidade de São Paulo (“Produção e gestão de projetos culturais”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Na sexta-feira seguinte (16), o Transforma Música ocupa o saguão do Centro Cultural Olido mais uma vez para receber a banda russo-brasileira Meta Golova e o DJ Pedro Athie (festa Tesãozinho Inicial), a partir das 18h. O público também poderá assistir aos videoclipes da mostra Queer View. Não é necessário retirar ingressos neste dia.

No sábado (17), a programação terá mais conversas e shows. A primeira convidada do dia será a cantora Luiza Lian (“Direção de arte: o palco como tela”, 11h). Depois, participam a performer e diretora criativa Alma Negrot (“De Seco & Molhados a Beyoncé: moda e música”, 14h), e a cantora Filipe Catto (“As relações entre música e design”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, a Sala Olido se transformará em pista de dança. A partir das 17h40, o músico experimental Vítor Marsula apresenta seu disco “Anjos Fósseis”. Em seguida, ALI mostra sua ópera-eletrônica “GLITCH” (2023), que une teoria queer e música eletrônica (18h). Encerrando a noite em grande estilo, o duo de música eletrônica Noporn apresenta seus hits que seguem ecoando na noite paulistana ao longo das duas últimas décadas (19h30). Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (18), a programação de conversas segue intensa, começando com a rapper e bacharel em direito Realleza (“Contratos artísticos e direitos autorais”, 13h). Depois, é a vez da especialista em comunicação digital para música e cultura Bia Bem (“Redes sociais: laboratórios de conexões”, 14h45). Por fim, o festival recebe o jornalista Ademir Correa e o assessor de imprensa Vicente Negrão (“Música independente: a relação com a imprensa no Brasil”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Encerrando sua programação, o Transforma Música vai realizar um workshop sobre redação de projetos culturais nos dias 22 e 23 de junho. Nos encontros, os participantes aprenderão técnicas de redação e planejamento, além de discutir os editais da Lei Paulo Gustavo. Para participar é necessário se inscrever online neste link.

Queer View

A mostra de videoclipes Queer View é um espaço de visibilidade e valorização da produção audiovisual de artistas dissidentes brasileiros que abordam temas relacionados à corpo, tecnologia, gênero, sexualidade, precariedade e loucura, entre outras questões.

Os vídeos serão exibidos na Multimídia, espaço dedicado à cultura digital do centro cultural. O site de música independente Hits Perdidos participa da curadoria. Artistas que desejarem participar da seleção deverão se inscrever neste link entre os dias 17 e 31 de maio.

A visitação poderá ser feita de 9 a 23 de junho, de terça a sexta das 10h às 21h, e aos sábados e domingos das 13h às 20h.

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Transforma Música, o primeiro evento de mercado musical para pessoas LGBTQIAP+ https://transformamusica.com/transforma-musica-o-primeiro-evento-de-mercado-musical-para-pessoas-lgbtqiap-2/ Tue, 16 May 2023 02:32:03 +0000 https://transformamusica.com/?p=522 Com programação gratuita, o Transforma Música acontece entre os dias 9 e 23 de junho em São Paulo.

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São Paulo terá seu primeiro festival dedicado exclusivamente às demandas das pessoas LGBTQIAP+ no mercado musical. Transforma Música é o nome do evento que vai acontecer entre os dias 9 e 23 de junho no Centro Cultural Olido, no Centro Histórico da cidade. A programação é gratuita e vai reunir artistas e profissionais do setor em atividades formativas sobre temas de criação e gestão de música, além de shows e mostra de videoclipes.

Dentre os destaques da programação estão a participação das cantoras Filipe Catto e Jup do Bairro em conversas e shows, as apresentações do histórico duo de música eletrônica Noporn, e da cantora goiana de R&B Bruna Mendez. Destacam-se também os encontros com profissionais como Bia Bem, especialista em marketing digital que se tornou referência em comunicação musical ao trabalhar com Linn da Quebrada, e João Monteiro, diretor de filmes e videoclipes que já colaborou com alguns dos maiores nomes do cenário mainstream brasileiro, como Pabllo Vittar, Ludmilla e Gloria Groove.

Em sua primeira edição, o projeto vai promover o compartilhamento de ideias e ferramentas que auxiliem no desenvolvimento de novos artistas LGBTQIAP+, sejam jovens ou em início de carreira, apresentando uma programação temática dividida em dois eixos, Criação e Gestão, e que tensiona assuntos como identidade, gênero, raça e sexualidade. “Nossos temas e convidados são grandes referências em suas áreas e se mantêm fiéis a uma ética de trabalho que desafia a binaridade de gênero e outros padrões normativos impostos aos nossos corpos”, explica o curador e um dos criadores do Transforma Música, o filósofo e artista queer Ali Prando. “Esse encontro entre experiência e pensamento é tão necessário, quanto explosivo”, diz.

A retomada do setor cultural também é uma preocupação do Transforma Música. “O festival acontece neste momento de celebração de rápidos e grandes avanços na política cultural brasileira, como a Lei Paulo Gustavo, mas não podemos esquecer do rastro de destruição e do extenso e complexo trabalho de saneamento social e econômico que precisa ser feito. Fortalecer artistas e profissionais que estão adentrando o mercado agora, ao mesmo tempo em que debatemos questões que atravessam nossas existências, é um movimento em busca ajustes no setor”, diz Gustavo Koch, produtor executivo e co-curador da iniciativa.

“São inúmeras as questões que dificultam a participação das pessoas queer na indústria musical, mesmo no mercado independente. O Transforma Música surge, então, como uma oportunidade de criação de redes e celebração da cultura transviada brasileira para que tenhamos um cenário mais saudável e sustentável no futuro”, explica Prando. “Não é mais sobre ‘ocupar espaços’, estamos em uma fase onde podemos criar nossos próprios espaços, porque os lugares antes ocupados, de um jeito ou de outro, sempre nos cabiam através de diversas violências”, complementa o artista.

“A identidade virou rótulo musical”, aponta Koch. “Artistas LGBTQIAP+ são resumidos a seus corpos e pautas perante os algoritmos das plataformas de streaming, diminuindo oportunidades de expansão das suas carreiras e obras. Fica parecendo que fazemos música para nós mesmos, enquanto, na verdade, alguns dos melhores trabalhos da MPB contemporânea foram feitos pelos nossos, por exemplo, mas seguem restritos ao nicho por conta de lógicas do mercado”, diz o produtor.

Essas e outras questões formulam as ações do projeto, que foi viabilizado por meio do Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo estadual, e tem apoios da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e dos sites Escutai e Hits Perdidos.

A programação começa no dia 9 de junho, sexta-feira, a partir das 18h, quando será aberta a mostra de videoclipes Queer View, que reunirá trabalhos de artistas independentes LGBTQIAP+ brasileiros. A noite terá ainda apresentações da cantora Jup do Bairro e do DJ Gui Tintel (festas Trophy e Poppers). Não é necessário retirar ingressos para este dia.

No sábado (10), quem abre a sequência de atividades é Jup do Bairro, que vai conversar sobre os atravessamentos de ser uma artista LGBTQIAP+ no Brasil, a partir das 11h. A programação segue com participação da musicista Navalha Carrera (“Descobrindo sua sonoridade”, 14h) e o do diretor audiovisual João Monteiro (“A importância do videoclipe”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, sobe ao palco da Sala Olido a cantora goiana Bruna Mendez, encerrando a turnê do seu disco “Corpo Possível (Deluxe”). Depois, às 19h30, é a vez de Filipe Catto apresentar os sucessos que marcaram sua carreira. Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (11), o músico e especialista em marketing digital Siso abre a programação (“O papel das gravadoras e distribuidoras”, 13h). Na sequência, é a vez da produtora cultural Ana GB, que integra a equipe do festival Afropunk Bahia (“Planejamento de carreira e gestão de negócios”, 14h45). Encerrando o dia, o evento recebe Vander Lins, Coordenador de Programação Cultural e Projetos Especiais da Cidade de São Paulo (“Produção e gestão de projetos culturais”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Na sexta-feira seguinte (16), o Transforma Música ocupa o saguão do Centro Cultural Olido mais uma vez para receber a banda russo-brasileira Meta Golova e o DJ Pedro Athie (festa Tesãozinho Inicial), a partir das 18h. O público também poderá assistir aos videoclipes da mostra Queer View. Não é necessário retirar ingressos neste dia.

No sábado (17), a programação terá mais conversas e shows. A primeira convidada do dia será a cantora Luiza Lian (“Direção de arte: o palco como tela”, 11h). Depois, participam a performer e diretora criativa Alma Negrot (“De Seco & Molhados a Beyoncé: moda e música”, 14h), e a cantora Filipe Catto (“As relações entre música e design”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, a Sala Olido se transformará em pista de dança. A partir das 17h40, o músico experimental Vítor Marsula apresenta seu disco “Anjos Fósseis”. Em seguida, ALI mostra sua ópera-eletrônica “GLITCH” (2023), que une teoria queer e música eletrônica (18h). Encerrando a noite em grande estilo, o duo de música eletrônica Noporn apresenta seus hits que seguem ecoando na noite paulistana ao longo das duas últimas décadas (19h30). Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (18), a programação de conversas segue intensa, começando com a rapper e bacharel em direito Realleza (“Contratos artísticos e direitos autorais”, 13h). Depois, é a vez da especialista em comunicação digital para música e cultura Bia Bem (“Redes sociais: laboratórios de conexões”, 14h45). Por fim, o festival recebe o jornalista Ademir Correa e o assessor de imprensa Vicente Negrão (“Música independente: a relação com a imprensa no Brasil”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Encerrando sua programação, o Transforma Música vai realizar um workshop sobre redação de projetos culturais nos dias 22 e 23 de junho. Nos encontros, os participantes aprenderão técnicas de redação e planejamento, além de discutir os editais da Lei Paulo Gustavo. Para participar é necessário se inscrever online neste link.

Queer View

A mostra de videoclipes Queer View é um espaço de visibilidade e valorização da produção audiovisual de artistas dissidentes brasileiros que abordam temas relacionados à corpo, tecnologia, gênero, sexualidade, precariedade e loucura, entre outras questões.

Os vídeos serão exibidos na Multimídia, espaço dedicado à cultura digital do centro cultural. O site de música independente Hits Perdidos participa da curadoria. Artistas que desejarem participar da seleção deverão se inscrever neste link entre os dias 17 e 31 de maio.

A visitação poderá ser feita de 9 a 23 de junho, de terça a sexta das 10h às 21h, e aos sábados e domingos das 13h às 20h.

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Transforma Música, o primeiro evento de mercado musical para pessoas LGBTQIAP+ https://transformamusica.com/transforma-musica-o-primeiro-evento-de-mercado-musical-para-pessoas-lgbtqiap/ Sat, 13 May 2023 18:59:25 +0000 https://transformamusica.com/?p=162 Com programação gratuita, o Transforma Música acontece entre os dias 9 e 23 de junho em São Paulo.

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São Paulo terá seu primeiro festival dedicado exclusivamente às demandas das pessoas LGBTQIAP+ no mercado musical. Transforma Música é o nome do evento que vai acontecer entre os dias 9 e 23 de junho no Centro Cultural Olido, no Centro Histórico da cidade. A programação é gratuita e vai reunir artistas e profissionais do setor em atividades formativas sobre temas de criação e gestão de música, além de shows e mostra de videoclipes.

Dentre os destaques da programação estão a participação das cantoras Filipe Catto e Jup do Bairro em conversas e shows, as apresentações do histórico duo de música eletrônica Noporn, e da cantora goiana de R&B Bruna Mendez. Destacam-se também os encontros com profissionais como Bia Bem, especialista em marketing digital que se tornou referência em comunicação musical ao trabalhar com Linn da Quebrada, e João Monteiro, diretor de filmes e videoclipes que já colaborou com alguns dos maiores nomes do cenário mainstream brasileiro, como Pabllo Vittar, Ludmilla e Gloria Groove.

Em sua primeira edição, o projeto vai promover o compartilhamento de ideias e ferramentas que auxiliem no desenvolvimento de novos artistas LGBTQIAP+, sejam jovens ou em início de carreira, apresentando uma programação temática dividida em dois eixos, Criação e Gestão, e que tensiona assuntos como identidade, gênero, raça e sexualidade. “Nossos temas e convidados são grandes referências em suas áreas e se mantêm fiéis a uma ética de trabalho que desafia a binaridade de gênero e outros padrões normativos impostos aos nossos corpos”, explica o curador e um dos criadores do Transforma Música, o filósofo e artista queer Ali Prando. “Esse encontro entre experiência e pensamento é tão necessário, quanto explosivo”, diz.

A retomada do setor cultural também é uma preocupação do Transforma Música. “O festival acontece neste momento de celebração de rápidos e grandes avanços na política cultural brasileira, como a Lei Paulo Gustavo, mas não podemos esquecer do rastro de destruição e do extenso e complexo trabalho de saneamento social e econômico que precisa ser feito. Fortalecer artistas e profissionais que estão adentrando o mercado agora, ao mesmo tempo em que debatemos questões que atravessam nossas existências, é um movimento em busca ajustes no setor”, diz Gustavo Koch, produtor executivo e co-curador da iniciativa.

“São inúmeras as questões que dificultam a participação das pessoas queer na indústria musical, mesmo no mercado independente. O Transforma Música surge, então, como uma oportunidade de criação de redes e celebração da cultura transviada brasileira para que tenhamos um cenário mais saudável e sustentável no futuro”, explica Prando. “Não é mais sobre ‘ocupar espaços’, estamos em uma fase onde podemos criar nossos próprios espaços, porque os lugares antes ocupados, de um jeito ou de outro, sempre nos cabiam através de diversas violências”, complementa o artista.

“A identidade virou rótulo musical”, aponta Koch. “Artistas LGBTQIAP+ são resumidos a seus corpos e pautas perante os algoritmos das plataformas de streaming, diminuindo oportunidades de expansão das suas carreiras e obras. Fica parecendo que fazemos música para nós mesmos, enquanto, na verdade, alguns dos melhores trabalhos da MPB contemporânea foram feitos pelos nossos, por exemplo, mas seguem restritos ao nicho por conta de lógicas do mercado”, diz o produtor.

Essas e outras questões formulam as ações do projeto, que foi viabilizado por meio do Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo estadual, e tem apoios da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e dos sites Escutai e Hits Perdidos.

A programação começa no dia 9 de junho, sexta-feira, a partir das 18h, quando será aberta a mostra de videoclipes Queer View, que reunirá trabalhos de artistas independentes LGBTQIAP+ brasileiros. A noite terá ainda apresentações da cantora Jup do Bairro e do DJ Gui Tintel (festas Trophy e Poppers). Não é necessário retirar ingressos para este dia.

No sábado (10), quem abre a sequência de atividades é Jup do Bairro, que vai conversar sobre os atravessamentos de ser uma artista LGBTQIAP+ no Brasil, a partir das 11h. A programação segue com participação da musicista Navalha Carrera (“Descobrindo sua sonoridade”, 14h) e o do diretor audiovisual João Monteiro (“A importância do videoclipe”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, sobe ao palco da Sala Olido a cantora goiana Bruna Mendez, encerrando a turnê do seu disco “Corpo Possível (Deluxe”). Depois, às 19h30, é a vez de Filipe Catto apresentar os sucessos que marcaram sua carreira. Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (11), o músico e especialista em marketing digital Siso abre a programação (“O papel das gravadoras e distribuidoras”, 13h). Na sequência, é a vez da produtora cultural Ana GB, que integra a equipe do festival Afropunk Bahia (“Planejamento de carreira e gestão de negócios”, 14h45). Encerrando o dia, o evento recebe Vander Lins, Coordenador de Programação Cultural e Projetos Especiais da Cidade de São Paulo (“Produção e gestão de projetos culturais”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Na sexta-feira seguinte (16), o Transforma Música ocupa o saguão do Centro Cultural Olido mais uma vez para receber a banda russo-brasileira Meta Golova e o DJ Pedro Athie (festa Tesãozinho Inicial), a partir das 18h. O público também poderá assistir aos videoclipes da mostra Queer View. Não é necessário retirar ingressos neste dia.

No sábado (17), a programação terá mais conversas e shows. A primeira convidada do dia será a cantora Luiza Lian (“Direção de arte: o palco como tela”, 11h). Depois, participam a performer e diretora criativa Alma Negrot (“De Seco & Molhados a Beyoncé: moda e música”, 14h), e a cantora Filipe Catto (“As relações entre música e design”, 15h45). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada. A partir das 18h, a Sala Olido se transformará em pista de dança. A partir das 17h40, o músico experimental Vítor Marsula apresenta seu disco “Anjos Fósseis”. Em seguida, ALI mostra sua ópera-eletrônica “GLITCH” (2023), que une teoria queer e música eletrônica (18h). Encerrando a noite em grande estilo, o duo de música eletrônica Noporn apresenta seus hits que seguem ecoando na noite paulistana ao longo das duas últimas décadas (19h30). Os ingressos para os shows deverão ser retirados online neste link.

No domingo (18), a programação de conversas segue intensa, começando com a rapper e bacharel em direito Realleza (“Contratos artísticos e direitos autorais”, 13h). Depois, é a vez da especialista em comunicação digital para música e cultura Bia Bem (“Redes sociais: laboratórios de conexões”, 14h45). Por fim, o festival recebe o jornalista Ademir Correa e o assessor de imprensa Vicente Negrão (“Música independente: a relação com a imprensa no Brasil”, 16h30). As inscrições acontecem no local, por ordem de chegada.

Encerrando sua programação, o Transforma Música vai realizar um workshop sobre redação de projetos culturais nos dias 22 e 23 de junho. Nos encontros, os participantes aprenderão técnicas de redação e planejamento, além de discutir os editais da Lei Paulo Gustavo. Para participar é necessário se inscrever online neste link.

Queer View

A mostra de videoclipes Queer View é um espaço de visibilidade e valorização da produção audiovisual de artistas dissidentes brasileiros que abordam temas relacionados à corpo, tecnologia, gênero, sexualidade, precariedade e loucura, entre outras questões.

Os vídeos serão exibidos na Multimídia, espaço dedicado à cultura digital do centro cultural. O site de música independente Hits Perdidos participa da curadoria. Artistas que desejarem participar da seleção deverão se inscrever neste link entre os dias 17 e 31 de maio.

A visitação poderá ser feita de 9 a 23 de junho, de terça a sexta das 10h às 21h, e aos sábados e domingos das 13h às 20h.

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